A memória é uma ferramenta
complexa, versátil e multifacetada, cuja função principal é ordenar um escopo
de fatos e sensações únicas que, reunidos, configuram a essência de nossas
personalidades individuais (até parece que o mundano cronista botou-se a ler livros
de filosofia, da noite para o dia, mas não o fez, ao menos, não que ele lembre,
o que comprova que a memória, mesmo sendo tudo aquilo ali em cima descrito,
também pode ser falha). Recordações podem ser despertadas do leito em que
repousam em sono profundo a partir de um odor, a partir da repetição de
determinado gesto, a partir de uma melodia, de um déjà vu, do dobrar uma
esquina, do mergulho em um álbum de fotografias, enfim, vários são os
mecanismos capazes de evocar lembranças e torná-las de novo presentes e
significativas em nossas vidas.
Eu sou dado a déjà vus e a
súbitos ataques de lembranças, uma vez que minha alma é temperada com altas
doses de nostalgia e fortes pitadas de melancolia. Não são poucas as vezes em
que me vejo enredado em profundos resgates da memória, tanto pessoal quanto
geral, e é por isso que me são tão significativas as datas, como já deve ter
percebido aquela abnegada parcela de leitores que insistem em continuar lendo
aquilo que aqui neste espaço venho deixando impresso. Dessa forma, fazendo jus
ao que sou, não poderia deixar passar em branco a data de 18 de agosto de 2015,
centenário de nascimento de Aldo Locatelli, o pintor italiano que veio deixar a
marca de seu talento artístico em tantos monumentos religiosos e civis no Brasil,
em especial no Rio Grande do Sul e na Caxias do Sul em que vivemos.
Eu não me lembro exatamente da
primeira vez em que botei os pés dentro da Igreja de São Pelegrino, mas
certamente foi em algum momento no segundo semestre de 1992, quando me mudei de
mala e cuia para Caxias do Sul. O que lembro com vivacidade é da profunda
emoção que me invadiu quando me deparei pela primeira vez com as telas de sua
Via Sacra e com as pinturas que ele produziu em todo o ambiente da igreja. Emoção
que segue viva a cada vez que retorno ao templo, uma vez que a arte legada por
um artista como ele (que morreu em 1962) sobrevive à sua passagem e renova a
chama da vida em todas as pessoas, a partir da contemplação do Belo. Um
privilégio caxiense!
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 18 de agosto de 2015)
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