Não, não tinha. Não tinha pedra
nenhuma no meio do caminho, e no meio do caminho não tinha uma pedra. Nunca
teve. Não tinha uma pedra, nem duas, nem pedregulho, nada. Chega uma hora em
que se faz necessário desmistificar as coisas e, lamento revelar, mas o caminho
estava livre e desimpedido, como sempre estivera. Quem botou aquela pedra lá,
meus senhores, minhas senhoras, fomos nós, e desprovidos de qualquer motivação
poética. Pronto, falei.
A verdade é que fizemos aquilo
movidos por um daqueles típicos arroubos juvenis inexplicáveis que acometem as
gentes quando elas são adolescentes e sentem vontade de fazer uma travessura da
qual possam rir mais tarde, narrando aos amigos, para ver se ganham pontos na
escala de popularidade entre os colegas e, principalmente, entre as colegas,
pois é imperioso pavonear-se de atitudes sem sentido para se fazer notar, como
bem sabe quem já foi (ou ainda é) adolescente alguma vez na vida. E nós não
éramos diferentes. Quando nos demos por conta, já estava feito, e o caminho, de
uma hora para a outra, passou a ter uma pedra, bem no meio.
Éramos três, os patet... digo,
os amigos envolvidos na trama que, a bem da verdade, em nada foi tramada, mas,
sim, deu-se de supetão. Um de nós já era maior de idade e tinha um Jipe cor
salmão, muito velho, com o qual passeávamos pelas ruas emparalelepipedadas de
Ijuí nas horas vagas das aulas. O dono do Jipe lá na frente e nós dois (eu e o
outro amigo) na parte traseira, saltitando com os solavancos. E, dentro, havia
uma grande pedra, que era usada a título de calço de roda para estacionamento,
uma vez que o veículo andava desprovido de freio-de-mão. Ao subirmos uma
ladeira, olhamo-nos um para o outro e tivemos a mesma ideia ao mesmo tempo:
abrimos a porta traseira e pimba: arremessamos a pedra fora, que rolou por
alguns metros e parou, no meio do caminho, pedra que era.
Ato totalmente sem sentido, mas
que rendeu e rende até hoje boas risadas. Afinal de contas, decidimos que,
naquele momento, havíamos materializado em atos a essência de uma grande
poesia. Nem que fosse a réstia de poesia que talvez resida em uma pequena
traquinagem de adolescente. A partir dali, fomos aprendendo a desviar das
pedras que se interpunham em nossos caminhos. Como sempre digo, tudo pode ser
metáfora. Até a pedra no meio do caminho de um poeta e de um bando de
adolescentes.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 27 de agosto de 2015)
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