Um amigo meu que gosta de viajar
elaborou uma “Teoria Geral do Viajante”, a partir da qual procura enquadrar
dois tipos básicos e antagônicos de perfis de pessoas que se botam a flanar
pelo mundo. Como ele mesmo se antecipa em explicitar em longa carta/e-mail que
me enviou recentemente, após uma viagem feita a Minas Gerais, a teoria ainda
está em construção e sujeita a reavaliações, porém, já tem os fundamentos de
sua essência lançados, e os compartilho com o amigo leitor e com a estimada
leitora, esses meus fieis parceiros das viagens mentais que empreendemos aqui
por essas linhas, dia sim e dia também.
O primeiro tipo de viajante
seria aquele (no qual meu amigo se diz enquadrar) que “viaja para abdicar de
si, do que é, que quer experimentar, que quer deixar para trás um pouco (ou
muito) de si, para encontrar o outro mundo, o diferente”. A segunda espécie de
viajante é composta por aquelas pessoas que, ao contrário, “reafirmam sua
condição, como a reiterar suas identidades perante o diferente na procura do que
conhecem e que os circunda em sua terra de origem”. Esse segundo grupo de
viajantes pode ser exemplificado pelas atitudes de uma pessoa que viajou com
meu amigo e que se lamentava por não ter levado junto sua cuia de chimarrão, e
por não encontrar restaurantes de comida a quilo para almoçar ao meio-dia,
horário em que, aliás, precisava imperiosamente seguir almoçando, mesmo em
viagem e passeando. Não podia, portanto, abdicar de seus hábitos caseiros,
mesmo que tivesse diante de si todo um mundo novo a ser explorado, vivenciado,
sentido, desbravado.
Assim como meu amigo, eu integro
o primeiro grupo de viajantes, daqueles que, em estando em Roma, faz como os
romanos, abdicando, nesse caso específico, somente de participar de orgias de
arromba e de apontar o polegar para baixo no Coliseu, aprovando o sacrifício do
gladiador derrotado. Mas, em estando na Inglaterra, eu experimento o típico chá
inglês; na Escócia, testo o “black pudding” no desjejum escocês às onze e meia
da manhã; em Paris, desfruto um “croque monsieur” à beira do Sena; em Cartagena
de Índias, na Colômbia, arrisco destemidamente o degustar de nachos típicos
vendidos em plena Calle de la Amargura.
A vida em si é uma viagem diária
em torno de nós mesmos e do mundo que nos cerca. Cabe a nós fazermos dela uma
experiência diariamente transformadora, mesmo que seja sem sairmos de nossas
casas.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 11 de agosto de 2015)
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