Há algo mais poético do que
proporcionar a presença da musa inspiradora ao ambiente físico do poeta a quem
ela inspira? Há gesto mais sublime, mais elevado, mais doce? Ainda mais quando
ato de tamanha magnitude põe fim a uma solidão que já começava a entrar em um
segundo longo século, ano após ano o poeta em questão lançando ao horizonte seu
olhar duro e frio de pedra, carrancudo, lábios crispados, os olhos afundados
sob o peso de um cenho esculpido em bronze, e aqui não se trata de metáfora,
como já adivinharam quase todos os que passeiam por estas linhas. Pois que,
então, um ato de poesia marcou a praça central de Caxias do Sul no alvorecer
desta semana.
Desde a última segunda-feira, o busto do poeta
italiano Dante Alighieri (1265-1321), instalado desde 1914 na praça para a qual
ele empresta o nome, ganhou a companhia de sua musa inspiradora Beatriz,
estátua em tamanho natural esculpida pela artista plástica Dilva Conte. Agora
Beatriz está lá, sentada em um dos bancos da praça, ao alcance do olhar de
Dante, com seus traços doces e suaves a trazer o consolo da presença e a
aliviar o olhar duro e rígido que o poeta vem lançando sobre os fatos e as
gentes que ao longo de mais de um século transitam ao seu redor, no ponto mais
central da chamada Pérola das Colônias.
Uma vez que aqui neste espaço
costumamos dar crédito ao poder dos poetas, é natural que lembremos, num
momento tão significativo como esse, das palavras de outro poeta, o português
Fernando Pessoa (1888 -1935), quando ele afirma que “tudo é símbolo e
analogia”. E se tudo possui mesmo carga alegórica, há de se refletir sobre o
que pode significar, a partir de agora, a presença da suave e doce e bela
Beatriz sentada em um dos bancos da praça principal de nossa cidade, cem anos e
mais um ano depois de aquela área permanecer sob o domínio exclusivo do olhar
inquisidor, duro e frio do Dante solitário. No mínimo, há de se supor que tudo
aquilo que a partir de agora passar pelo crivo da observação pertinaz de Dante,
empertigado em busto no alto de sua base, passará também pela avaliação da doce
Beatriz, sentada de corpo inteiro no banco que lhe cabe.
No mínimo, passaremos a contar
com mais de um ponto de vista, o que, por si só, já será um ganho
extraordinário. Que Beatriz na praça, ao lado de Dante, possa ser símbolo e
analogia de bons agouros.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 11 de novembro de 2015)
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