Uma amiga minha gosta de narrar
ao seu círculo de relações uma história saborosa (mais saborosa ainda porque
verdadeira) a respeito de um galo que imaginava ser cachorro. Aconteceu décadas
atrás, quando seus filhos (hoje adultos) ainda eram crianças e ela os presenteou
com três galinhos recém-nascidos (pintos, ainda, pois, pintos, pintos). E vejam
o que pintou, no parágrafo que segue.
Deu-se que, naquela época, nos
famosos bons tempos atrás, as casas ainda viviam sem cercas, a grama do quintal
do vizinho (sempre mais bonita) vizinhava com a grama do quintal do morador ao
lado, as crianças de uma casa subindo nas árvores do pomar da outra casa e
roubando bergamotas, aconteciam essas coisas. Mas aconteciam também coisas
chatas, como o fato de o cachorro de um vizinho, tido como muito malvado (o
cachorro, não sei o vizinho), ter devorado dois dos galinhos recém-comprados
por essa minha amiga. Trauma, tristeza geral e muita preocupação com o destino
iminente do derradeiro galinho, que devia estar na mira do cachorro malvado. Só
que, aí é que a história mergulha no seu ponto de inflexão. A seguir.
Aí aconteceu que o tal
derradeiro galinho mostrou-se mais esperto que seus dois finados manos e passou
a andar colado na cadela boxer da família, esta nada malvada, a título de proteção.
Grudado na cadela, ficava livre das investidas do malvado cachorro vizinho e,
assim, sobreviveu. Sobreviveu porque passou a agir como cachorro, a fim de
salvar a pele... Ou melhor, o pelo... Quer dizer, as penas. E, desde então, o
galinho cresceu dormindo no canil ao lado da cadela, comendo comida de
cachorro, deitando de lado como cachorro, ignorando as galinhas, essas coisas
caninas. Morreu anos mais tarde, convicto de que era cão. Como?
Porque foi estimulado a isso. O
exemplo real da história do galinho com alma de cachorro comprova minha tese de
que podemos ser o que quisermos. Nosso caminho quem define somos nós mesmos. Eu
não deixei de ser astronauta, conforme meu sonho de criança, pelo fato de não
ter capacidade para tanto. Eu apenas segui outro rumo. Mas poderia, sim, ter
sido diplomata, marceneiro, ator, com a mesma competência com que sou o que
quer que eu seja hoje. Da mesma forma, poderia ter sido um fracassado, um
criminoso, um assassino, um invejoso, um recalcado. Sou o que escolho ser, dentro
das possibilidades daquilo que o universo me coloca à disposição. Poderia até
ser galo. Ou cachorro.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 20 de novembro de 2015)
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