Quem tem medo do Lobo Mau? Eu
tinha, quando escutava os disquinhos (de vinil, a agulha beijando os sulcos no
toca-discos da sala) com as historinhas de Walt Disney, lá pelos cinco ano de
idade. E quem tem medo do Bicho-Papão? Eu tinha, com menos idade ainda, com a
certeza de que ele habitava o infinito espaço vazio existente embaixo da minha
cama, à noite. E de passar debaixo de uma escada? Eu tinha, porque dava azar.
Por isso, nunca passei. Acho que nunca tive azar.
De gato preto nunca tive medo,
pois sempre gostei de gatos e de bichos em geral. Até tive um gato preto de
estimação, um dos mais inteligentes que já vi até hoje. Dava-me muita sorte. A
sorte da amizade genuína, por exemplo. Foi na mesma época em que era comum nós,
a gurizada, quando reunidos, especialmente nas festas de família, sairmos às
voltas, ao ar livre, à procura de trevos de quatro folhas. Porque trevos de
quatro folhas eram raros e davam sorte. Muita sorte. O personagem Gastão, primo
do Pato Donald, era muito sortudo nas histórias em quadrinhos, porque possuía e
encontrava trevos de quatro folhas. Eu queria ter a sorte do Gastão, por isso,
procurava trevos de quatro folhas com muito afinco. Só encontrei de três
folhas, e me sinto, por isso, um sujeito carregado com 75% de sorte, o que me
parece um índice bem significativo e suficiente para enfrentar a vida.
Esses elementos inocentemente
supersticiosos compunham o imaginário divertido de uma época que se assenta no
passado há não muito tempo, e que acabou se perdendo. Hoje ninguém tem medo de
gato preto, de Bicho-Papão ou tenta encontrar trevos de quatro folhas. Assim
como pouca atenção se dá agora às Festas de São João (saíamos de carro em
família em junho para observar as fogueiras) e às traquinagens de primeiro de
abril (afinal, agora celebra-se o Halloween, obedecendo aos ditames culturais
da matriz norte-americana). Criança não vai mais para a cama às nove horas da
noite e nunca mais vi calçadas riscadas a giz ou pedra para o jogo da
amarelinha.
Os tempos são outros, o mundo
anda para a frente, e a nostalgia faz parte do pacote intangível do processo de
amadurecer. Mesmo assim, não faz mal avisar, obedecendo aos ditames das
responsabilidades de um cronista diário mundano: hoje é sexta-feira 13! Tens um
trevinho de quatro folhas aí para emprestar?
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