O fascínio de cravar os olhos no
céu na escuridão da noite para caçar estrelas eu herdei de meu avô materno
ainda na minha infância, quando, nos anos 1970, íamos passar temporadas de
férias na fazenda que ele possuía no interior de São Borja. Não havia luz
elétrica naquelas funduras, a geladeira funcionava a partir de um motor a
diesel, a água fresca era puxada de um poço e os banhos, tomávamos com água
fria derramada dentro de um regador emborcado ao avesso no interior de um
cubículo distanciado da casa.
Depois do jantar, as noites sem
televisão (e sem internet, facebook e congêneres, com os quais nem sonhávamos)
eram curtidas em família na escuridão da varanda, do lado de fora da casa,
escutando grilos e sapos, observando o voejar de vaga-lumes, praticando o ato
de sermos gente. Meu avô se abraçava a um enorme rádio que captava ondas curtas
de emissoras de todas as partes do mundo e ficava zapeando de ponta a ponta no
dial, trazendo-nos falações em russo, alemão, inglês, francês e outras línguas
que não identificávamos. Lá de vez em quando, olhava para um canto do enorme
céu preto estrelado, apontava e dizia “Maco (pois que me chamava de “Maco”),
olha lá, daqui a pouco vai cruzar o Sputnik por ali”. E, de fato, logo o céu
era riscado por uma luzinha piscante que cruzava veloz exatamente na direção em
que ele apontara. Era um satélite artificial, que cumpria no horário certo sua passagem
por aquelas plagas estelares. Para meu avô, todos aqueles artefatos eram
sputniks, em alusão ao primeiro satélite artificial colocado em órbita da Terra
pelos soviéticos.
Depois, passava a dar aulas de
astronomia prática. Apontava para as luzes do céu e ensinava: “aquilo é Vênus e
aquilo é Marte. Planetas não piscam. Estrelas piscam, como aquelas ali, as Três
Marias, e aquelas outras lá, que fazem a constelação do Cruzeiro do Sul”. Era
militar reformado, sabia se guiar pelas estrelas. Eu ia observando e
aprendendo.
Até hoje sei reconhecer no céu
todas as estrelas e corpos celestes que meu avô me ensinou. Afinal, eles seguem
todos lá, imutáveis, em seus lugares no mapa do céu. O que mudou mesmo foram as
gentes daqui debaixo. Não sei se ainda existe quem pesque sputniks.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 26 de janeiro de 2015)
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