Memórias, lembranças e
recordações me assaltam alternadamente quando ando pelas ruas de minha cidade
natal, Ijuí, que costumo visitar nos finais de ano. Uma delas deixou-me, digamos,
abalado. Isso porque, quando vi, minhas pernas recordantes haviam me conduzido
até a frente da Fábrica de Balas Soberana, indústria cujos produtos faziam a
alegria de minha infância por razões óbvias e que andou sendo revitalizada,
voltando a fabricar algumas das balas que marcaram época em minha história.
O principal produto da Soberana
eram as balas Póca, que a gurizada devorava aos sacos na hora do recreio. Era
uma balinha quadradinha, branca, com sabor de abacaxi, e vinha envolta em uma
embalagem amarela, ilustrada com a imagem de um cervo. Por que o cervo?
Mistério absoluto que perdura até hoje, ninguém sabe explicar. Também, não faz
diferença alguma. Adorávamos as balas Póca. A lembrança mais remota que tenho
de um bisavô é ele se aproximando e tirando do bolso um punhado de balas Póca,
que oferecia a mim, à minha irmã e aos meus primos. Uau, que festa!
Não havia problema algum em
receber balas do bisavô, mas todas as crianças daquela época éramos instruídas
pelos adultos a jamais aceitarmos balas de estranhos. Havia temor de
sequestros, especialmente depois da repercussão do sumiço do menino Carlinhos,
raptado aos dez anos em 1973, no Rio de Janeiro, mistério insolúvel até hoje. Agora,
pensando em retrospecto, fico a pensar: tá, mas e se o estranho nos oferecesse
chocolate ou pirulito? Ou um maço de figurinhas para completar nosso álbum? Ou
flâmulas de nosso time? Que fazer? Eu me sentia plenamente preparado para
enfrentar o estranho com uma peremptória recusa ao convite de acompanhá-lo caso
ele oferecesse balas. Mas e o resto? Felizmente, o estranho nunca apareceu nas
esquinas daquela minha Ijuí do passado.
Mas o que importa mesmo é que,
em um mercado local, consegui adquirir, passadas décadas, um saquinho de balas Póca
e meti-me a comê-las todas. O sabor de infância permanece o mesmo: inclusive
com a queda de uma obturação que habitava minha boca desde aqueles tempos. Cadê
o número da dentista?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 31 de dezembro de 2014)
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