Não, eu não aderi a essa nova
febre que atingiu certa parte das pessoas ditas adultas ao redor do planeta (ao
redor da parte ocidental do planeta, ressalte-se), de comprar livros para
colorir. Tenho visto nas livrarias as pilhas dessas obras, repletas de desenhos
em preto e branco de mandalas e vários outros motivos, compostos por linhas
finas e muitos espaços em branco, que devem ser coloridos ao bel prazer de cada
um, com lápis-de-cor ou canetinhas hidrocor, a título de exercício para a
liberação do estresse acumulado nesses nossos dias, e passo reto, insensível ao
apelo descolorido que deles vem.
Não por ser insensível, mas por
simplesmente não ter conseguido entrar em sintonia com o modismo repentino,
diferentemente de outras ondas anteriores nas quais já me engajei até com certo
entusiasmo, e não as elenco aqui em uma tentativa certamente vã de preservar o
bem estar de minha biografia. Pois não é por ser insensível que não adquiro os
livrinhos de gente grande para colorir, mas, sim, porque tenho convicção de que
a atividade, no meu caso, não surtirá o efeito a que alegadamente se propõe:
proporcionar-me relaxamento psíquico. Isso porque passei boa parte da infância
e adolescência, lá nos idos das décadas de 1960 e 1970 (tudo isso no século
passado, note-se bem), dedicado a justamente colorir livrinhos por vontade
própria ou por demandas da catequese e das aulas de educação artística. Pintei
tanto que hoje não tenho a mínima vontade de pintar mais.
Fora isso, passava boa parte das
tardes ajoelhado ao lado de minha cama, em casa, criando histórias em
quadrinhos que desenhava em cadernos, os personagens e os cenários feitos com
as tais canetinhas Neo-pen e às vezes coloridos com lápis-de-cor, as falas
introduzidas nos balões com caneta Bic. Acumulo milhas e milhas de manuseio de
objetos colorintes por meus dedos e agora passo ao largo desse apelo. Não, eu
não teria paciência hoje de me botar a colorir asas de borboletas e espirais
concêntricas em mandalas. Perdi a habilidade de manusear lápis-de-cor e creio
não lembrar sequer de como funciona um apontador (para que lado rosquear o
lápis depois de inseri-lo no orifício?).
O texto talvez seja decorrência
desses dias chuvosos que pintam a vida em tons de cinza. Mas não
desesperancemos: falta pouco para a entrada da Primavera, prevista para a
quarta-feira, às 5h20. Um dia o sol volta. Até lá, dedico-me a palavras
cruzadas.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 21 de setembro de 2015)
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