No começo, era um dragão.
Nitidamente um dragão, de perfil. A bocarra escancarada, alguns dentes mais
salientes ajudando a compor o ar selvagem e misterioso característico da
personalidade dos dragões, mesmo que nem todos eles sejam, necessariamente, selvagens,
porém todos, sem exceções, misteriosos, isso sim. O furo na parte superior frontal
fazia as vezes de olho. Olho de dragão. Um dragão completo, portanto, com olho,
bocarra, dentes e ares de mistério.
Não era possível vislumbrar o
corpo do dragão. Não. Via-se tão-somente sua cabeça, mas aquilo bastava para dar
a certeza de que não se tratava de nenhuma outra coisa senão um dragão. Um
óbvio e ululante dragão, mesmo que dragões não sejam óbvios e tampouco ululem. E
estava faminto. Via-se que desejava devorar alguma coisa logo adiante de sua
boca, agora salivante, e o salivante aqui corria por conta de minha imaginação,
já que gotas de saliva não eram visíveis, mas pressentíveis. O que era aquilo
que o dragão estava prestes a abocanhar?
Desviei minha atenção do dragão
e pousei-a por alguns instantes sobre as formas do objeto, ou do ser, que em
breve se transformaria em lanche da tarde daquela mística criatura manifestada
às minhas vistas. Uma bola? Não, não era exatamente uma bola. Além do mais,
nunca ouvi dizer que dragões devorassem bolas. Nem mesmo na Wikipédia, onde
tudo é possível e imaginável. Não, bola, não. Talvez um croissant. Sim, estava
mais para croissant. Vai que fosse um dragão criado em território francês,
apreciador de acepipes de qualidade, como croissants! Um dragão preparando-se
para engolir um croissant gigante. Sim, podia ser isso mesmo. Vejamos agora o
quadro todo.
Mas, epa, que fim levou o
dragão? Ele estava ali agora há pouco, enquanto eu desvendava a essência do
objeto ao seu lado, na iminência de ser por ele devorado. Não há mais dragão
nenhum. No melhor das hipóteses, a misteriosa criatura descambou para um jacaré
desqualificado, a boca torta caindo para o lado e, sim, agora, sim, dá para ver
uns pingos de saliva voando para a direita e, nossa, é vento demais,
esfacela-se o dragão/jacaré e, do croissant, nem mais sinal. Tudo se evapora em
fiapos em questão de segundos, as formas desvanecendo nos cantos da memória e a
imaginação refluindo para dentro, e de volta ao trabalho, que há muito a fazer
e o dia ainda é longo, chega disso de ficar flertando nuvens em horas de
expediente!
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 11 de setembro de 2015)
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