Alguém andou me perguntando pela
aí, pelos cafés da vida, qual a relação que existe entre a leitura de um bom
livro e o ato de saborear uma torta. Sim, isso mesmo. Desafios intelectuais
dessa estirpe rondam as mesas dos cafés cult daqui de nossa região (e não são
poucos na Serra Gaúcha, felizmente) e pousam nas mesas dos fregueses, indiscriminadamente,
sem fazer triagem de nível educacional, nível econômico, nível intelectual, time
do coração, assepsia e humor.
Quando você menos espera, logo
depois da chegada de seu cappuccino com chantilly acompanhado por uma lasquinha
de laranja cristalizada, a sorridente garçonete dá as costas e pá!, aterrissa
na nossa mesa um desafio cerebral como o exemplificado ali em cima, e você não
tem como escapar dele, sob pena de ser visto por seu companheiro de mesa (e
pelos que estão ao redor, que ficam a espichar as orelhas para pescar fiapos
das conversas alheias, que bem sei), sob pena de ser visto por todos (repito o
termo sempre que interponho intercalações quilométricas na frase, que
prejudicam o acompanhamento do raciocínio por parte do leitor), sob pena de ser
visto por todos (ai, isso está cansando) por todos como um pobre inepto
discursivo. E eu não sou um pobre inepto discursivo, minha senhora, meu senhor,
ah, isso não sou, não! Inepto posso ser em muitas áreas, admito, mas menos nas
cursivas e discursivas. Deixa comigo que eu tasco!
Como era mesmo a questão que
caiu aqui, quase em cima da pirâmide de chantilly ainda sequer escavada com a
colherinha em busca de vestígios de café? Qual a relação entre a leitura de um
bom livro e o ato de saborear uma boa torta? Ah isso é fácil. Basta pensar, por
exemplo, em uma suculenta Marta Rocha, e no prazer que existe em ir desfrutando
seus sabores, cada garfada abocanhada representando uma página bem moldada de
um livro bom. Uma garfada, uma página. Um lento mastigar decifrando as delícias
escondidas na torta, no mesmo ritmo e cadência do mastigar metafórico do
sentido das linhas lidas no livro bom. Eis aí a relação entre torta e leitura,
prezado comensal, prezado leitor e querida leitora.
Dez com estrelinha para mim,
acostumado que sou a me sair bem em desafios intelectuais profundos como o aqui
citado, nem que seja por linhas (e) tortas.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 3 de setembro de 2015)
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