E então, na esquina, o homem
tenta vender moranguinhos. Estacionou o carro, abriu o porta-malas, escorou
dentro dele as caixas de papelão de forma a deixar a vermelhidão reluzente e
sedutora das frutinhas à vista de todos e caiu na informalidade. Mas vê-se logo
que não tem jeito para a coisa. Caminha de um lado para o outro com uma das
caixas na mão e a oferece timidamente à moça que passa, ao motorista que para
ao sinal, ao aposentado que meneia a cabeça em silenciosa recusa.
Uma recusa que grita e ecoa
fundo na alma do mais novo vendedor de moranguinhos da cidade. No rosto, a
desolação fica evidente. O que será que fazia antes? Metalúrgico? Comerciante? Um
desempregado devido à estagnação da economia? Para saber, só perguntando. Não
ouso e sigo a observar. Ele não é do ramo, nem das vendas em rua, nem dos
morangos in natura, tampouco das
artes da abordagem ao ar livre. Seu corpo fala. Às vezes, parece que desiste.
Larga a caixa no porta-malas ao lado das demais, coloca as mãos na cintura e dá
voltas ao redor de si mesmo, enquanto observa o movimento da cidade apressada,
os olhos fitando um ponto ao longe, onde talvez vislumbre a esperança.
A desolação dura pouco. Logo
volta a empunhar a caixa de morangos robustos, nitidamente transgênicos, e
retoma a calçada, as energias de vendedor renovadas, vai que tenha identificado
na multidão o aproximar de um cliente em potencial. Mas o cidadão cruza e a
caixa de morangos segue ignorada. A recusa dói na alma. Na dele e na minha, abrigada
atrás de uma taça de cappuccino que provavelmente custa o mesmo que sua caixa
de morangos que, se não forem vendidos, restarão mofados e desprovidos de
poesia.
Agora, sentou-se sobre o
engradado de plástico emborcado ao lado do carro e deixa o olhar vagar perdido
mais um pouco. Eu não poderia afirmar, mas acho que foi meio automático o seu
gesto de, alheado em pensamentos, pinçar da caixa um morango e metê-lo na boca.
É quando leva um sobressalto com a cutucada da rapariga em seu ombro: “moço,
quanto custa o morango?”. Ah, vitória! Vendeu uma caixa! Talvez não seja tão
sinistro assim, afinal, aquilo que lhe reserva o destino nessa sua nova fase de
vida. Termino meu café, pago e saio à rua, determinado a não deixar na unidade
a experiência de venda do vendedor de morangos. Compro também eu uma caixa e
sigo para casa. Mas, pena, os morangos são ruins. Tomara que saiba também
vender flores...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 17 de setembro de 2015)
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