Hoje a crônica vai ser daquele
tipo “seção pegadinha”, você sabe como é? O amigo leitor, a estimada leitora,
já foram submetidos a essa espécie tão comum de crônica antes? Não? Sim? Não
lembram? Nem sabem do que eu estou falando? Bom, então, o negócio é seguir
adiante e ver no que é que vai dar.
Crônica do tipo “pegadinha” é
dessas que começam propondo uma questão ao leitor, a servir de gatilho para remetê-lo
a um mergulho dentro dos meandros (“meandros” caiu aqui como uma luva) de sua
própria memória. Por exemplo: “onde você estava quando morreu Ayrton Senna?”.
Ou ainda: “o que você estava fazendo quando morreu Tancredo Neves?”. Opa, essa
última aí não faz o menor sentido para leitores que não estavam fazendo
absolutamente nada pelo simples fato de não terem sequer nascido à época do ocorrido,
isso se supusermos a eventualidade de eu ter de fato leitores com menos de 30
anos de idade. Mas essa aqui é comum a todos: “onde você estava, com quem
estava e o que pensou quando o Brasil levou sete a um da Alemanha na última
Copa do Mundo?”. Han? Preferiu esquecer completamente o episódio? É, foi mal,
essa aí não serve de bom exemplo para nada mesmo.
Bom, mas o leitor e a leitora já
entenderam o espírito da coisa e podemos seguir em frente. O que eu queria era
convidá-los a recordar o destino que deram ao primeiro salário que receberam em
suas vidas de trabalhadores, uma vez que o que fazer com o salário, quando o
temos, e quando (e se) ele pinga na conta, é uma das questões que mais andam
apoquentando o cotidiano dos brasileiros nesses hodiernos tempos de crise (já o
“hodiernos” ali foi odioso, admito). Você se lembra de seu primeiro salário e o
que fez com ele? Eu me lembro.
Os idos eram o final dos anos
1980 e eu começava como repórter de um jornal diário em Santa Maria da Boca do
Monte. Recebi o olerite (ahá, olerite!), conferi os cifrões que me cabiam e
parti firme para a mais tradicional loja de calçados daquela região, onde
adquiri dois pares de sapatos. Depois, corri até a livraria e comprei um manual
completo sobre a arte da diagramação de jornais (investimento em aprimoramento
profissional) e outro com reproduções luxuosas de telas do pintor Salvador
Dalí. Foi em sapatos e livros que gastei meu primeiro ordenado. Artefatos que
vêm guiando meus passos por estradas tanto tangíveis quanto imaginárias, ao
longo da vida. De minha parte, creio que comecei investindo certo.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 8 de setembro de 2015)
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