Afirmo que todo leitor é um
resiliente. Ou um resiliente, ou um masoquista, ainda não cheguei a uma
conclusão definitiva sobre o assunto. Não descarto a hipótese de que todo leitor
(e quando digo “leitor” estou me referindo a todas aquelas pessoas que têm a
paixão e o hábito de ler livros, de se entregar ao ritual silencioso e
ensimesmado de passear pelas páginas de obras literárias), de que todo o
leitor, repito, seja na verdade um grande casca grossa. “Casca grossa” aqui querendo
significar um caldo de qualidades como resiliência, masoquismo, teimosia, determinação,
vontade inquebrantável, essas coisas.
Trata-se de um estudo que ando
fazendo para tentar entender as motivações secretas e indevassáveis que ainda
movem essas cada vez mais raras pessoas que gostam de empunhar um livro e
dedicam horas de suas existências ao ofício da leitura, os chamados “leitores”.
Como sou um deles - integro a espécie desde que vim ao mundo e desde antes de
ser alfabetizado -, o objeto de minha pesquisa está bem ao alcance das minhas
mãos e dos meus olhos, pois estudo a mim mesmo. Por que somos tão teimosos?
Sim, porque é preciso ser dotado
de altas doses de teimosia para ser um leitor. Teimosia, resiliência,
resistência, masoquismo e “casca-grossismo”. Convenhamos, você aí que é leitor
também, nós seguimos lendo porque deve haver algo de errado conosco, algum
neurônio deve ter sido desligado em nossos organismos, justamente aquele que
leva ao cérebro a sensação física do desconforto. Porque simplesmente não
existe (e isso eu afirmo do alto de minha condição de leitor-desde-sempre) posição
confortável para ler. Pode ser sentado na cadeira, esparramado no sofá da sala
(com ou sem pufe para o descanso dos pés), no banco do ônibus, na sala de
espera do consultório, em pé na fila do banco, escorado no porte, escorado no
muro, semideitado na cama com o travesseiro nas costas, deitado no tapete, agachado,
sob a sombra da árvore, em cima dos galhos da árvore, à beira do rio, na rede,
na cadeira de praia à beira-mar, sobre a esteira, enfim, lê-se de todas as
formas, de todos os jeitos, mas nenhuma posição é confortável quando se tem um
livro nas mãos.
Mas seguimos lendo e lendo e
lendo e lendo. Deve ser porque alguma coisa na leitura desliga os desconfortos
do corpo, supre a alma e nos plenifica de vida. É um mistério. Espero jamais
desvendá-lo.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 28 de setembro de 2015)
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