Tudo pode ser uma questão de
detalhes. Os detalhes, apesar de denominados como detalhes, nem sempre precisam
ser “meros”. Meros detalhes. Nem sempre. Às vezes, são justamente eles, quando
nada meros, que fazem toda a diferença e influenciam na tomada de decisões, determinam
atitudes, restringem ações, ampliam movimentos. Há profissões, inclusive, que
se sustentam na observação e valorização dos detalhes. Pergunte aos detetives. E
às costureiras. Ignore o centímetro para ver se constrói o metro (boa essa,
hein?).
Vamos aos exemplos da vida
prática. A senhora gosta quando entram em cena os exemplos, não é, madame?
Confessa que eu sei, já a conheço bem. Mas vamos lá. Você (eu escrevo “você”
para despersonalizar a coisa e a senhora já acha que estou falando de mim
mesmo, némesmo?) vai a uma churrascaria, louco para se fartar de churrasco, só
pensando naquelas carnes suculentas transitando livres pelo salão trespassadas
pelos espetos que os garçons desfilam por entre as mesas, dizendo “sim” para a
costela, “sim” de novo para a picanha, “sim, claro, manda ver” para o cupim, só
que... só que... nada de virem os coraçõezinhos. Cadê os coraçõezinhos? Não
deveria ser uma das primeiras coisas a ser arremessada ao prato do comensal na
churrascaria assim que ele chega, junto do salsichão e do franguinho assado?
Pois é, mas... nada dos coraçõezinhos.
Daí você (“eu”, né, madama?)
resolve tomar uma atitude. De boca cheia mesmo, cuspindo farofa, puxa o avental
de um dos garçons que já vai cruzando reto com o abacaxi empalado e pede para ele
pelos coraçõezinhos. E daí voceu (“voceu” = você mais eu, para facilitar a vida
de todos) fica sabendo da surpresa: não servem coraçõezinhos nessa
churrascaria. Mas como?! Como assim, “não servem coraçõezinhos”? Onde já se
viu, churrascaria repleta de churrasco, abacaxi e saladas, e desprovida de
coraçõezinhos? Claro que voceu não vai se fartar de coraçõezinhos, mas eles, em
se tratando de churrascaria, são um detalhe fundamental. Não se volta mais lá.
Detalhes como esses equiparam-se
a bar de clube que não faz caipirinha; estabelecimento comercial que não bajula
cliente; cafezinho sem copinho com água; casamento sem cafuné; automóvel sem
tapete de borracha; namoro sem flores; flerte sem piscada de olho; livro sem
prefácio; zoológico sem macaco; café da manhã de hotel sem cereal; crônica sem
sal; marmelada sem açúcar; “bom dia” sem resposta.
Detalhe, apesar de detalhe, às
vezes, representa tudo. Brincar, rende até crônica de cronista mundano.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 15 de janeiro de 2016)
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