Seu erro foi ter rido. Quando
viu, tinha rido. Não planejou aquele riso – quem é que planeja risos? –, sequer
fazia parte da turma, estava sentado sozinho em outra mesa, não conhecia
ninguém, vinha de fora, chegara no meio da tarde e entrara direto no hotel,
cansado da longa viagem de ônibus iniciada ainda pela manhã. Não tinha nada com
aquilo. Apenas estava ali e rira. Um riso que atrairia azar, o pior dos azares,
mas quem iria imaginar isso na hora do riso?
Ainda mais quando o riso sai
assim, sem aviso, sem avisar que vai vir rindo e atinge direto a cara e a honra
do desconhecido que cai no chão por ter a cadeira puxada pelo companheiro de
mesa por pura sacanagem depois de entornada a meia dúzia de cervejas que
balançam vazias sobre a mesa chacoalhada com o tombo do qual todos na mesa de
amigos riem, riso ao qual se soma e se sobressai o dele, involuntário, ali no
outro canto na mesa do bar de quinta categoria escolhido para o jantar e a
cervejinha pela única razão de ficar a meia quadra do hotel e facilitar ida e
volta. Quem mandou rir?
Riu. Riu como reflexo
incontrolável derivado do testemunho involuntário e imprevisto da queda do
bêbado. Riu mas não era amigo. Riu mas não era parceiro. Não era da turma. Não
tinha o direito de rir. Seu riso não foi o riso cúmplice dos companheiros de
cervejada. Seu riso foi alienígena, estrangeiro, malvindo. Seu riso foi o único
que soou mal aos ouvidos do quedante, apesar de, na essência, ter sido o único
riso inocente risado no bar solitário da cidade estranha no avanço da noite. Seu
riso invocou o peso do silêncio que baixou na mesa das seis garrafas vazias, a
mesa que agora se fartava de ódio e de desejo de vingança.
A primeira facada veio pelas
costas, assim que pagou a conta e saiu porta afora, rumo ao hotel do meio da
quadra. Ninguém na noite escutou os golpes, ninguém na noite escutou os gemidos.
Se alguém ao longe ouviu alguma coisa, foram risos. Risos de morte. Conforme
ilustra este miniconto, a punhalada fatal pelas costas, real ou metafórica,
pode vir de onde e de quem menos se imagina, mesmo em situações corriqueiras do
dia-a-dia. Ao rir sozinho em um bar. Ao buzinar irado devido a uma fechada no
trânsito. Ao responder a uma agressão gratuita feita em rede social. Ao
simplesmente viver sua vida e ser quem você é. O personagem fictício deste
texto poderia morrer de várias outras maneiras no mundo atual real, marcado
pela intolerância e pela violência. É preciso ter muito cuidado.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 8 de janeiro de 2016)
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