Como é de lei, chego adiantado
(muito adiantado) à reunião de trabalho marcada em um café da cidade, no meio
da tarde. Para passar o tempo, pego o exemplar do jornal “Pioneiro” de cima do
balcão e leio as notícias, os colunistas, os cronistas (tem um deles que não
leio porque já sei de antemão exatamente o que escreveu), a página social, o
caderno de cultura. Finda a leitura, repouso o jornal dobrado em um canto da
minha mesa, como que a ofertá-lo a qualquer outro cliente, e me dedico a
enterrar os olhos nas páginas do livro que estou a ler e que carrego comigo
para esses momentos de espera.
Pouco depois, minha atenção é
chamada por um senhor em pleno gozo da dita terceira idade, que se aproxima e,
educadamente, pergunta se pode ler o jornal. Respondo que sim, claro, claro que
pode, e faço um gesto largo com o braço como que a disponibilizar a ele o
acesso ao impresso deitado ali no canto de minha mesa. Feito isso, retomo o
mergulho à leitura do livro, pois que ainda tenho pela frente páginas e páginas
de espera.
Passados alguns minutos e
algumas páginas, minha atenção é novamente atraída pelo mesmo senhor que havia
pescado o jornal de minha mesa. Ele se aproxima, recoloca o impresso no exato
local de onde o havia tirado, diz “muito obrigado” e se retira do café. Agora,
fecho o livro. Fecho para deixar a mente abrir e se render ao fascínio do
pequeno grande fato que acabava de se materializar ali, naquele momento. Ora,
de onde vinha aquela criatura, tão educada, gentil, humilde, delicada? Deste
mundo é que não deveria ser, nem deste tempo. Sim, porque não havia necessidade
alguma de ele devolver o jornal à minha mesa. Ele estava dobrado a um canto,
dando claros indícios de que eu já o havia lido e de que pertencia ao
estabelecimento, portanto, disponível a toda a clientela. Mas devolveu de onde
tirou. Pediu “com licença” na chegada e disse “obrigado” na saída. De onde
vinha?
Meu questionamento e surpresa
eram plenamente válidos, porque, a este mundo e a esta época, repito, ele
definitivamente não pertencia. Quem pertence a este mundo e a esta época é a
criatura aquela que ontem me atropelou no bufê a quilo na hora do almoço, com
sua bandeja vazia e seu ser empanturrado de fome, pressa, e desrespeito. E
também o ser que invadiu o elevador porta adentro antes que eu saísse e cedesse
a ele o espaço que tanto desejava dentro da caixa de metal. Uma pessoa plena de
gentileza e educação como aquela só pode ter vindo de muito longe, ou no
espaço, ou no tempo. E depois dizem que não existe mais magia no mundo...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 7 de janeiro de 2016)
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