Fazia dias que eu não tinha mais
sinais de vida de meu amigo Argentino, e isso, eu já sabia, às vezes é sinal de
que ele pode estar aprontando. Conheço Argentino de longa data, desde os tempos
da faculdade, quando descobríamos livros e autores em meio à fumaça dos bares
cavernosos que frequentávamos, nos quais as garrafas vazias de cerveja eram
capturadas em um golpe-surpresa pelo garçom Edson, enquanto descansávamos
nossos olhares esgazeados no impassível perfil de Zuleika, na mesa ao lado.
Argentino muito tempo na moita era sinal de ventania e a prudência e o
bom-senso convidavam a agir.
Telefonei e nada. Mandei e-mail
e silêncio virtual. Enviei torpedo e ele naufragou nas indevassáveis ondas da
telefonia celular. Rondei o prédio em que mora e o zelador, apesar de me
conhecer há anos, não me franqueou a entrada (a gente sempre se surpreende com
a impressão que causa nas pessoas e descobre isso pelas formas mais
inusitadas). Fiz campana defronte à repartição em que ele trabalha mas não o vi
nem chegar nem sair. Interpelei uma sua colega e ela confirmou o que eu já
previa: também não o via há dias, pois pedira transferência para Blumenau.
Fiquei intrigado na mesma medida
em que me punha irritado. Ora, então! Fora embora e não me dissera nada.
Senti-me traído, desdenhado, abandonado, ultrajado. Baita sacanagem, seu
Argentino, bonito hein? Seguia eu dizendo a ele mentalmente, enquanto chegava
em casa e retirava, da caixinha do correio, uma carta, enviada a mim, remetida
por Argentino (Argentino adora escrever cartas e enviá-las pelo correio),
diretamente de Blumenau. Subi correndo as escadas, entrei em casa, procurei
estabanadamente meu pequeno punhal abridor de cartas, desisti de procurar o
abridor de cartas (abridores de cartas se recusam a aparecer quando você os
procura de forma estabanada) e rasguei o envelope com as mãos mesmo, botando-me
a ler a missiva.
Já nas primeiras linhas ele
explicava que decidira se mudar para Blumenau depois que lera uma reportagem
informando que aquela é a cidade onde a população tem a maior expectativa de
vida do país. Como Argentino planeja viver muito, tomou a decisão de aumentar
suas chances de longevidade indo morar lá. Não me informou antes porque supunha
que eu acharia aquilo tudo uma bobajada sem tamanho.
De fato, Argentino me conhece
melhor do que eu a ele...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 10 de agosto de 2013)
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