Já virou chacota na família de
minha esposa a minha teima em não conseguir aprender as regras do jogo de
bisca. Mais do que chacota, virou folclore em toda a cidade de Uvanova o fato
de “o jornalista, o escritor” não ter jeito de meter na cachola as regrinhas de
um dos jogos de cartas mais populares e tradicionais entre os descendentes de
imigrantes italianos que povoam a Serra.
“Mas que coisa, olha só, ele não aprende
mesmo”, cochicham em alto e bom som entre si os tios e primos que se acotovelam
ao redor da mesa do porão sobre a qual quatro de nós empunham as cartas e vamos
jogando umas em cima das outras até que de repente um mais atilado arremata
todo o monte de descartes gritando alguma coisa em italiano que eu obviamente
não entendo, ao passo em que meu parceiro de dupla (o sogro, o cunhado, a tia,
o primo) me fuzila com os olhos e de novo me repreende pela burrada que eu nem
imagino como cometi, se na rodada anterior o ás de paus não valia nada e agora
ele é o “cargueiro”, e tendo feito o que eu fiz ou deixado de fazer o que eu
não fiz coloquei tudo a perder, porco cane!
Para sorte minha e para a
manutenção da harmonia familiar, logo surge outro primo/tio/amigo/agregado
disposto a assumir o meu lugar no jogo, com o que imediatamente concordam todos
os demais jogadores e seguem a partida enquanto me consolo a um canto enchendo
meu copo de vinho e mordendo um grostoli, atividades em que me saio bem melhor
do que na bisca.
Eu não comento com ninguém, mas
o fato é que, ali no cantinho, escorado em uma pipa, mergulhando grostoli no
copo de vinho, reitero minha certeza de que esse jogo, a bem da verdade, não
possui regra nenhuma. Cada um faz o que lhe dá na telha e os outros vão
acompanhando até que um deles, mais rápido, faz uma jogada incisiva e grita
“ganhei”, recolhendo as cartas e contando os pontos a seu bel prazer sob o
olhar resignado dos demais, que farão a mesma coisa na rodada seguinte, sem que
ninguém os conteste. Contestar seria correr o risco de receber uma reprimenda
sobre as regras, que nunca vem porque na verdade ninguém as conhece, mas nenhum
deles ousa admitir. A mim, o que falta é a manha e o vocabulário que me
permitiriam enfrentá-los de igual para igual.
Assim, deixo-os irem jogando e
eu é que não vou externar essa minha certeza. Vai que me proíbam o acesso ao
vinho e aos grostolis e prá baúco eu também não sirvo.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 8 de agosto de 2013)
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