Todos me olharam como se eu
fosse um ET. Sequer se deram ao trabalho de disfarçar o fato escancarado de
que, frente à proposta que eu acabara de fazer ao grupo, nenhum deles mantinha
ainda nenhuma dúvida de que eu não devia ser desse planeta mesmo. Na cara de
Rosvinda pude ler estampado: “Deve ser é de outro plano astral, ou de outra
dimensão, mas daqui da Terra é que ele não é”. O Deves e o Jardel seguramente
pensavam coisas semelhantes ou piores, especialmente quando se tratava de
pensar desabonanças a meu respeito.
E tudo isso apenas porque eu
propusera aos amigos irmos comer sorvete no meio daquela tarde gelada de julho,
décadas atrás, o vento minuano a soprar e transformar na passagem nossas
orelhas em estalactites pendentes uma de cada lado de nossas cabeças
estudantis. Sim, sorvete, ué, e por que não? Que tem a ver a temperatura
ambiente com aquilo que nos desperta a fome e o desejo? Por que não posso
saborear uma transbordante taça de sundae ou de banana split (os mais antigos
pediam “balalaicas”), mesmo que os termômetros estejam marcando temperaturas
siberianas? Que tem a ver a temperatura de minha boca, garganta, esôfago e
estômago com as nuances do clima?
Afinal, não se toma café também
nos meses de verão aqui em nosso eclético território? Sou proibido, então, de
saborear uma feijoada em fevereiro? Sopa é só no inverno? Cerveja gelada apenas
na praia? Vinho tinto somente de junho a agosto? Os esquimós não podem chupar
picolé nunca na vida? Aos beduínos do deserto jamais lhes será permitido
saborear uma garrafa de merlot acompanhada de um picante goulasch repleto de
páprica? Que coisa mais sem graça!
Desgarrei da turma vituperando
essas frases todas, dobrei a esquina, atravessei a avenida e fui-me sentar
sozinho na lancheria mais badalada da cidade. Pedi a tal da banana split e um
refrigerante “bem gelado”. Ninguém percebeu que eu tremia frio enquanto
aguardava a chegada do pedido, pois naquela época eu usava um pala providencial.
Quando chegou o sorvete, mandei ver, convicto que estava de minha personalíssima
postura.
Depois faltei uma semana de aula
devido a uma inominável dor de garganta que por pouco não me despachou em
definitivo ao calor dos quintos dos... Mas desde então, não pauto minhas
vontades e decisões pelo senso comum. E arco, claro, com as eventuais
consequências.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 17 de agosto de 2013)
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