Há roteiros que são imutáveis e
é preciso que nos resignemos a eles. Tomar banho, pentear-se, vestir-se e ficar
pronto antes, beeeem antes do que a esposa, e ter de esperar por ela na sala
antes de sair, é um desses roteiros que cabem a todo o homem casado. Sabemos
disso e nos resignamos com aquela paciência marital que só nós, felizes casados
homens, conhecemos em essência.
O que se passa pela cabeça de um
homem engomado que espera pela esposa na sala, enquanto ela se esmera em
produzir seu feminino ser para apresentá-lo ao mundo ao seu lado? Só nós
sabemos. E, como somos confraria, cabe a nós resguardarmos para nós mesmos
esses nossos pensamentos. Meus leitores casados sabem do que estou falando.
Meus leitores solteiros podem imaginar. Já minhas leitoras que me perdoem, nada
compartilharei desse tema em detalhes. Ao menos, nada de detalhes que
comprometam, se é que algo há para ser comprometido (deixemos aqui a pulga da
dúvida, por gosto).
O que se pode dizer é que,
nesses longos minutos de espera, nos quais “só mais dez minutinhos” significam,
via de regra, pelo menos o triplo disso em tempo real, muitos de nós não
conseguem evitar o reflexo de cantarolar mentalmente alguns versos em inglês da
famosa canção de Eric Clapton, “Wonderful Tonight”, cujas imagens evocam
exatamente essa situação: o cara esperando a parceira se arrumar para sair. Em
tradução livre deste que vos escreve, fico no sofá, engomado, cantando
mentalmente: “É tarde da noite/ ela está pensando em que roupas vestir./ Ela
põe a maquiagem/ e penteia seus longos cabelos loiros”.
E assim vamos nós ali, sentadões
no sofá, o paletó já amarrotando, a gravata para o lado, as pernas esticadas
sobre o pufe, e “lá-l-a-rá-lá-lá...” Os olhos passeando pelos quatro cantos da
sala, observando os quadros, as lombadas dos livros, o risquinho na parede, até
que, sem mais, repousam sobre os próprios pés ensapatados e... epa! Tem algo
errado! Sim, senhor! Na pressa de vestir-me, calcei um sapato diferente em cada
pé. Ambos pretos e sociais, sim, lustrosos, bonitos, semelhantes, porém,
diferentes. Coisa que qualquer olhar observador detectaria já no primeiro “boa
noite”. Uma meia de cada cor, vá lá, todos o fazem de vez em quando... Mas um
sapato de cada espécie já é demais.
Ainda bem que detectei a gafe a
tempo. Salto do sofá, cruzo por ela, que já vem vindo prontinha e perfumada pelo
corredor, e enfurno-me de novo no quarto, providenciando a troca sapatal. Tudo
isso para escutá-la reclamar, lá da sala: “Vamos, logo, amor, você está nos
atrasando”! Sim, eu mereço.
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