Tem coisas que não entendo. A
caixa-preta dos aviões, por exemplo, é cor-de-laranja. O quadro-negro, ao menos
nas escolas em que estudei e também na universidade, sempre foi verde-escuro. O
vinho branco, na verdade, é amarelo, convenhamos. A rosa, que deveria ser rosa
e ponto, já existe em todas as cores imagináveis, e a gente cultiva rosas
vermelhas, rosas amarelas, rosas alaranjadas, rosas azuis e até rosas pretas.
Só a Pantera Cor-de-Rosa segue fiel à cor que a nomeia.
O burro, quando foge, esse sim,
a exemplo da Pantera, continua atento à ordem cromática do universo e assume,
na fuga, a cor-de-burro-quando-foge, mas não sei por quanto tempo isso vai
permanecer assim. Até o camaleão anda confuso e não consegue saber direito o
que fazer ao lado de uma rosa vermelha: camufla-se de rosa ou de vermelho? O
tempo perdido na indecisão pode ser a sentença entre a vida e a morte, porque a
águia de lá de cima, com seu olho de águia (óbvio), não perdoará a bobeira do
camaleão indeciso e záz, vocês podem imaginar o desfecho da cena sem que eu
tenha de ser explícito.
Preocupante é detectar que a dessintonia
entre o nome da coisa e a coisa por ela denominada não atinge somente o
universo das cores e começa a se espalhar como praga por todos os lados. O que
fazer, por exemplo, quando um amigo afirma que vai telefonar para você assim
que tiver início a novela das oito? Ora, pela lógica, você deveria esperar o
telefone tilintar exatamente às 20h, pois não? Não, aí é que está. No Brasil, a
novela das oito começa às nove. Pior, começa mesmo é lá por nove e vinte, nove
e meia, depois do Jornal Nacional, esse sim, com início às oito, oito e pouco. Por
que então novela das oito se ela é das nove? Por que essa teimosia em mantermos
tudo como está, até mesmo as expressões consolidadas pelo tempo, se, justamente
com o passar desse tempo, as coisas em si mudaram em suas essências?
A novela das oito não existe mais
há muito tempo. O que existe é a novela das nove e pouco. Então, que seja assim
denominada: novela das nove e tanto. Caixa-laranja dos aviões. Quadro
verde-escuro. Flor amarela em formato de rosa mas que não é rosada. “Alô? Seu
florista? Gostaria de encomendar uma dúzia de flores azuis em formato de rosa,
mas que não são rosadas. Sim, traga-as depois do final da novela das nove e
vinte. Escreva no quadro-verde o pedido, para não esquecer”. Pronto. Simples,
direto, sincero e preciso.
Precisamos ser mais precisos.
Caixa-preta não é preta. Pantera Cor-de-Rosa é rosa. Brasil não é mais o país
do futebol. O que é, é; e o que não é, não é. Afinal, é preciso acreditar que
pelo menos alguma coisa ainda pode ser mudada...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 21 de julho de 2014)
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