Pisar em terreno desconhecido
sempre é uma atitude temerária. Por mais destemida que a criatura seja, sempre
haverá o risco de o sujeito dar-se mal devido à falta das informações que lhe
seriam cruciais para o bom termo da empreitada. Isso é um fato.
O terreno desconhecido em que
temerariamente adentrei dia desses foi a penteadeira de minha esposa, aquele
movelzinho delicado e simpático que habita nosso quarto e que representa um
domínio até então incólume às manifestações de minha presença. Deu-se que, em
um final de tarde em que minha esposa estava no trabalho e eu em meu home
office, precisei aprumar-me às pressas para um compromisso social no centro da
cidade e tive de fazê-lo sozinho, sem as importantes intervenções dela no
lapidar de meu visual, o que costuma garantir em mim um cabelo penteado, os
pelos das orelhas tosquiados, os botões da camisa abotoados cada um em sua casa
correspondente, as cores das roupas combinando sem causar traumas coletivos,
coisas desse tipo.
Mas eu estava sozinho e tinha de
me virar por conta própria. Tudo corria bem até o momento em que, já nos
finalmentes, olhei-me com atenção no espelho do banheiro e percebi que a pele
de meu rosto, devido à umidade ambiente, havia “explodido” em dermatites já
nossas conhecidas. O tubinho com o creme dermatológico havia acabado e, nesses
casos, o recurso tradicionalmente empregado é recorrer a uma maquiagem temporária
à base de pó-de-arroz. Quem faz as aplicações em mim é, obviamente, minha esmerada
e detalhista esposa que, como já vimos, estava em falta naquele dia, àquela
hora. Que fazer?
Ora, destemido (ou inconsequente)
como sou, resolvi invadir os domínios da penteadeira e efetivar por conta
própria a ação maquiadora de imperfeições que, a bem da verdade, não haveria de
interpor maiores dificuldades. Sonho meu. Quem disse que um homem do sexo
masculino como eu tem capacidade para reconhecer, entre as dezenas de potinhos
e tubinhos dos mais variados tipos, exatamente aquele de que estava
necessitando? Abre esse, não é. Aquele, também não. Isso me parece esmalte.
Aquilo, um miniespanador. Ali, uma caixinha repleta de cores como se fosse uma
palheta de aquarelista. E o relógio correndo, insensível.
No desespero, abri um estojinho,
taquei na cara um pouco do conteúdo do que quer que fosse e fui-me ao
compromisso. Dessa vez, não passei despercebido em meio à multidão e senti que
os olhares não desgrudavam de minha pessoa ao longo da noite. Atribuí tudo à
crença de que havia aprimorado minha arte de falar em público e também meu
magnetismo pessoal, porém, à noite, minha esposa quis saber o que eu andara
fazendo com o blush que enfiara na cara, vermelha como um pimentão de feira.
Mas é que sou destemido.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 29 de julho de 2014)
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