As notícias prometiam chuva de
meteoros no meio da madrugada. Espetáculo raro da natureza, imperdível para
quem aprecia fenômenos astronômicos e habita por vocação e por instinto o mundo
da lua na maior parte da existência. Era para mim, portanto, o programa, e o
ingresso saía quase de graça para quem anda vivenciando uma fase de
surpreendentes insônias.
Não custaria nada saltar da cama
no meio da madrugada e ir para o terraço presenciar o rastro luminoso dos
meteoritos a cruzarem o firmamento, cerzindo riscos de fogo no céu, imagens que
transportariam de imediato minhas lembranças à infância, nas épocas em que existia
tempo para sentar-se em família nas varandas à noite, a escutar histórias
remotas narradas pelos avós, que sabiam identificar com apontadas certeiras de
dedos as diferentes constelações (a Ursa Maior ali, a Cruzeiro do Sul acolá, o
Cinturão de Órion, a estrela Antares) e a cronometrar as passagens dos
satélites artificiais (meu avô e eu éramos caçadores de sputniks na década de
1970). Sim, sem dúvida, eu faria isso.
E fiz, de fato. Nem foi preciso
engatilhar o despertador para me tirar do sono no meio da madrugada, porque a
madrugada chegou e aportei em seu meio sem pregar o olho um segundo sequer. Prevenido,
vestia pijamas (porque sim, sou um homem de pijamas, e quem rir leva cascudo),
calçava pantufas (porque sim, sou um senhor de pantufas), embrulhava-me no
chambre (uhum, chambres; especialmente, um cidadão de chambres, porque, como
veem, tenho síndrome de rocambole) e ejetei-me para o terraço, determinado a
enfrentar os gélidos ventos uivantes para, sozinho no mundo, admirar o
espetáculo da chuva de meteoros que enfeitaria o céu naquele horário, ali no
leste do céu infinito.
Mas que chuva de meteoros que
nada! Não vi umzinho sequer dar o ar de sua graça ao longo dos elogiáveis
quinze minutos que aguentei firme ali em pé, observando postes de luz a
iluminar ruelas desertas, quartos em casinhas distantes alumiados a noite
inteira provavelmente para dar segurança ao bebê, flashes luminosamente cambiantes
das telas de tevê a fremir penumbras nas salas dos insones como eu no prédio ao
lado. Só isso, e nada mais.
Mas de repente, ali no meio do
imutável céu estrelado, eis que surge uma luzinha semovente que capta a atenção
de meu olhar ansiado. Ela pisca e vai seguindo rumo definido, céu acima. Nada
de meteoro. Nem mesmo um disco voadorzinho para premiar meus esforços. Segue
reto, em traçado mecanicamente humano, revelando-se avião mesmo, a me fazer
companhia inimaginável àquelas horas altas de sonambulismos. Que tempos esses,
em que nem mais o céu nos surpreende.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 31 de julho de 2014)
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