A realidade que nos cerca é
pequena, é pouca, é insuficiente para saciar o desejo de vida que nós, humanos
- seres conscientes, racionais, simbioses ambulantes moldadas em matéria e
sensações -, possuímos. Viver nossas vidas cotidianas, aprisionadas e
apequenadas dentro dos limites impostos pela realidade, nos é sufocante demais,
e subvertemos essa imposição consumindo e criando arte.
É para isso que as artes
existem: para ampliar as fronteiras de nossas existências, permitindo-nos pular
as cercas dos limites da (pseudo) realidade que nos cerca. É só assim que
conseguimos justificar a amplitude da maravilha de nossa existência humana, e é
por isso que amamos cinema, teatro, literatura, música, dança, esculturas,
quadros, fotografia, quadrinhos e assim por diante. As artes justificam a
existência humana e é por causa delas que somos poupados da destruição total
por parte dos deuses, que se reúnem em assembleia sazonalmente, com a intenção
de dar um fim às diabruras aprontadas por nossa espécie, conforme nos revela
Jorge Luis Borges em um de seus textos famosos. Os deuses decidem sempre por
nos riscar da face da Terra, mas daí sempre há algum deles que evoca as
maravilhas artísticas que somos capazes de gerar, e que tanto encantam os
deuses, e acabamos sempre ganhando sobrevida. Os artistas são os redentores de
nossa raça humana.
Zapeio pela tevê a cabo e pego
um fragmento de entrevista que a repórter Ilze Scamparini fez em Roma com o
diretor de cinema Ettore Scola. O cineasta acaba de lançar seu novo filme (após
um recolhimento de dez anos), intitulado “Que Estranho Chamar-se Federico!”, em
que faz uma homenagem biográfica a seu colega Federico Fellini, morto em 1993. Sobre
o amigo, Scolla diz que “sim, ele era um grande mentiroso; mentiroso no sentido
de inventor de histórias não reais, no sentido de criador de verdades
fictícias; ele fazia isso porque a realidade não lhe bastava”.
O escritor peruano Mario Vargas
Llosa (Nobel de Literatura de 2010) escreveu um livro intitulado “A Verdade das
Mentiras”, no qual se debruça a resenhar 36 grandes obras ficcionais universais
que nos ajudam a entender melhor a vida. “A missão do romance é mentir de maneira
persuasiva, fazer passar por verdades as mentiras”, escreve ele, mostrando que
“a ficção é a arte de dizer a verdade, nem que para isso seja preciso mentir –
mesmo que seja um pouco”. Sorte a de nossa espécie essa, a de nascerem entre
nós esses moldadores de inverdades tão fundamentais à nossa existência.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 3 de julho de 2014)
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