E quando vimos, sem que ninguém
soubesse explicar como e vinda de onde – e muito menos o motivo -, a vaca
estava lá. Quanto mais se vive, mais vamos nos conformando à verdade absoluta
de que nem tudo na vida possui uma explicação lógica e racional. Daí o porquê
de ser impossível eliminar de vez as esferas sobrenaturais da existência, uma
vez que é a elas que precisamos recorrer quando a lógica e a razão se mostram
insuficientes para clarificar aquilo que se apresenta obscuro.
E o surgimento de uma vaca gorda
e ruminante, tranquila e serena como sói serem as vacas, parada ali no saguão
do hotel refinado, defronte ao elevador, como que a esperar sua chegada para se
dirigir calmamente a seu quarto, é fato que só pode obter alguma réstia de
explicação se palmilharmos as tais esferas do inexplicado, que seja a
parapsicologia, a metafísica, a astrologia bovina, os búzios, a cartomancia,
enfim, o que quer que seja. Só o que sei é que a zootecnia e a veterinária
jamais conseguirão me oferecer uma explicação plausível que elucide a motivação
da vaca para adentrar os corredores laterais do hotel, normalmente utilizados
pelos funcionários em serviço, até ir postar-se sobre o tapete vermelho
defronte ao elevador principal utilizado pelos hóspedes.
Eis aí o primeiro dos mistérios.
O segundo, e ainda mais boquiabertante (traduzo o neologismo: “fenômeno capaz
de produzir o efeito de espanto conhecido pela metáfora de deixar cair o
queixo”), é o fato de, ao longo do manso e determinado trajeto da vaca, ninguém
tê-la percebido até que finalmente se posicionasse defronte ao elevador, como
já dissemos. Há quanto tempo haveria de estar ali? Teria tentado entrar caso a
metálica caixa semovente surgisse e abrisse-lhe as portas? Só o que se pode é
conjecturar.
O fato da vaca que surgiu
defronte ao elevador em um hotel de luxo aconteceu de verdade algumas décadas
atrás na cidade de Santa Maria e fui uma das testemunhas do bizarro caso. Aquela
estranheza me acompanha vida afora, e não são poucas as vezes em que me pego
refletindo sobre ele. Afinal, não é estranho que as vacas às vezes cheguem lá
sem que saibamos como o fizeram, nem quem as trouxe? Que é estranho, isso é. E
que as vacas às vezes chegam lá, isso é uma verdade incontestável...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 8 de junho de 2015)
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