Segunda-feira à tarde tenho
consulta médica, está marcado na agenda. Se está marcado na agenda, acredito.
Acredito e cumpro. Afinal, sou bom soldado, não ouso me insubordinar contra os
ditames apontados em minha agenda, até porque conheço muito bem a identidade de
quem ali os lança: eu mesmo. Acredito em mim. É o mínimo que posso esperar de mim
mesmo em relação a mim mesmo porque, se eu não acreditar em mim, quem o fará?
Segunda à tarde, portanto,
consulta médica. É preciso me preparar. Não sou daqueles que chegam a uma
consulta médica como quem vai passear no parque. São coisas bem diferentes
entre si, uma consulta médica e um passeio no parque. Até porque, às vezes, a
possibilidade de seguir exercitando a segunda depende do bom andamento da
primeira. Não é o meu caso, a consulta é simples, prosaica até, de caráter
preventivo. Mesmo assim, segue sendo uma consulta médica, e requer alguns
preparativos.
Entre eles, um muito importante,
decorrente do fato de que terei de aguardar longos minutos na sala de espera,
que justamente possui esse nome porque ali espera-se. Às vezes, espera-se
pacientemente muito, nós, os pacientes, que precisamos saber exercitar a
paciência. Sabedor que sei de que esperarei, preciso decidir qual dos dois
livros que estou lendo concomitantemente deverei levar junto, a fim de ler
algumas páginas ao longo da espera na dita sala: o romance de autoria do
escritor português José Saramago ou a coletânea de crônicas do brasileiro Rubem
Braga? Dúvida cruel, ambos me fascinam e, tenho certeza, seriam ótima companhia
no asséptico ambiente da sala de espera que por mim espera.
Decido ler algumas páginas de
cada um deles, a fim de facilitar a escolha. Pego as crônicas do Braga e
ponho-me a ler no sofá da sala. Três páginas, apenas, o texto. Porém, já no
segundo parágrafo, não consigo segurar e ponho-me a rir desbragadamente, que é
como se ri assim solto e feliz quando se lê uma crônica bem-humorada do Rubem
Braga. Termino a leitura enxugando lágrimas de riso. É, está decidido: quem vai
comigo ao médico é o Saramago. Não posso correr o risco de, em levando o Braga,
sair dali amarrado em camisa-de-força. Tem escritor que só dá para ler
escondido.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 26 de junho de 2015)
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