É engraçado, mas comigo é assim:
eu sempre chego com o bonde já andando. Entro e a sessão já começou há pelo
menos alguns minutos. Não tem jeito de esperarem por mim para darem início à
cena, e isso que, via de regra, o protagonista, o artista principal, sou eu.
Deveria haver mais respeito nesse quesito, mas vai reclamar para quem? Quem é o
responsável pelo gerenciamento do andar dos sonhos? Quem é o diretor, o
roteirista? Quem responde pela sala de projeção?
Apagam-se as luzes do quarto,
deito na cama, entrego o ingresso não sei para quem e zzzzzzz, logo estou de
olhos fechados, mergulhando no primeiro sono da noite, sem perder tempo, sem
atrasos, mas não tem jeito, jamais consigo pegar o início da projeção, onde
suponho que deva aparecer pelo menos o título do curta-metragem (sim, porque os
sonhos, ao menos os meus, são curta-metragens, duram segundos ou poucos
minutos, não sei os da senhora). Nada disso. Quando engato o primeiro ronco, a
ação já está em andamento, sem que eu tenha conseguido me situar sobre nada,
nem sobre o enredo, sobre a época da história, o ambiente, o contexto, coisa
alguma.
Por isso, suponho, essa sensação
de estranhamento com aquele camelo no meio da sala assim, de repente, vindo sei
eu de onde, pois que, como disse, não me foi dado pegar a história desde o
início. Deve haver algum motivo razoável para ele estar lá, naturalmente, mas,
como não sei de nada, fico apavorado com o camelo no meio da sala, ainda mais
no décimo-primeiro andar do prédio, e isso gera uma angústia indescritível
porque daqui a pouco vão chegar os convidados e o que é que eles vão pensar, é
preciso tirar aquele bicho dali, mas por onde, não posso arremessá-lo pela
sacada porque poderia machucar alguém lá em baixo e daí até provar que o camelo
não é meu, bom, que seja então pela porta de entrada mesmo, ela que de repente
assume o formato de um imenso buraco de agulha e despacho o camelo por ali, sem
me dar por conta da metáfora bíblica que se estabelece e então acordo, suando,
o coração aos pulos.
Ah, sei lá, não imagino o que a
senhora ache, mas isso não pode continuar assim. Exijo que passem a esperar por
mim antes de darem início a essas histórias e não me deixem acordar antes de
ver todos os créditos finais. Ao menos, para saber a quem responsabilizar pelo
consumo excessivo de pesadelos.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 17 de junho de 2015)
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