Hoje a lembrança do acontecido é
difusa, vem borrada devido à ação predatória do tempo, obrigando ao exercício
da liberdade criativa para preencher as lacunas do fato e permitir que, assim,
completado à força, se transforme em história a ser contada. A data eu lembro
bem: novembro de 1979. Fica fácil lembrar não porque esteja lançada em algum
diário preservado junto à caixa de guardados (na época, ainda era comum as
pessoas cultivarem diários, apesar de a prática já estar em franca extinção),
mas porque está impressa na capa do gibi (“Heróis da TV” edição número 5), que
eu lembro ter adquirido na ocasião (a referência para os principais episódios
de minha vida se ampara na recordação nítida daquilo que eu estava a ler na
época).
Eu tinha 13 anos, ainda morava
em Ijuí, na Rua dos Viajantes, e seria a primeira vez na vida que iria voar de
avião. Meu pai tinha negócios a fazer em Porto Alegre, distante cerca de 400
quilômetros, e, dessa vez, iria a bordo de um Bandeirante que sairia do
aeroporto municipal rumo ao Salgado Filho. Os Bandeirantes eram pequenos aviões
de passageiros (com capacidade para levar 12 passageiros), produzidos pela
Embraer entre 1973 e 1991 e, creio, devia fazer linha entre a região Noroeste
do Estado com a Capital. Isso, claro, estou supondo. O fato é que o avião
estava lá e meu pai decidiu me levar junto, talvez como prêmio por ter
concluído o ano letivo na terceira série do primário sem pegar recuperação (aí
também já estou supondo).
Não recordo de detalhes do voo,
nem quanto tempo durou (a julgar pela lógica, provavelmente não mais do que uma
hora), mas tenho ainda claríssima em mim a ansiedade frente à nova e excitante
experiência, tamanha que resultou no enjoo a oito mil metros de altura e na
necessidade de utilizar o saquinho plástico providencialmente disponível ali
caso o almoço decidisse retornar por onde havia entrado, como de fato decidiu. Fiquei
no quarto do hotel enquanto meu pai despachava suas reuniões de negócios na
cidade. Li os gibis que havíamos comprado na banca da Praça da Alfândega,
circulei pelos incríveis cinco canais disponíveis na televisão e, o melhor de
tudo, pedi à recepção, pelo telefone do quarto, torradas e suco de laranja.
No dia seguinte, voltamos os
dois a Ijuí em um carro alugado, eu acumulando lembranças e aprendendo a usar a
imaginação para preencher histórias.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 19 de junho de 2015)
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