O primeiro (e único) peixe que
pesquei na vida foi uma traíra, não muito grande que me permitisse portar na
bagagem da memória há décadas a minha primeira (e única) mentira de pescador,
nem tão pequeno que sequer servisse para uma inocente lorota. Era uma traíra
mediana, que não chegou a oferecer grande resistência ao manejo da linha e da
vara – sim, pois que foi içado das águas do açude com vara de pescar e minhoca
encravada no anzol – devendo pesar não mais do que dois quilos, a julgar pelo
tamanho registrado em fotografia batida na época, quase quatro décadas atrás.
A foto costuma repousar
discretamente em meio aos maços de fotografias antigas guardadas dentro de uma
caixa de sapato e ganha renovado sopro de vida sempre que recebe um novo olhar
a cada nova incursão nostálgica que empreendo ao baú de guardados,
sazonalmente, quando sou acossado pelos ventos da saudade do passado. Estou eu
ali, na altura de meus então dez anos, magricela e branquela, cabelo loiro
(loiro e farto, ah, os dez anos), sustentando ao alto no braço direito a linha
em cuja extremidade balança a presa aquática que posa inerte para a foto, ainda
agarrada à isca. A julgar pelo cenário às minhas costas, o feito se deu na
fazenda que meu pai tinha em sociedade com meus dois avós, no interior de São
Borja.
Não fosse a foto, que eterniza o
fato com parcela da verdade, haveria o risco de a tal pescaria ter se esvaído
de minha biografia pessoal. Sim, porque, da memória real, ela já se esvaiu há
muitos anos, e não sobra registro algum. Sei que pesquei a traíra, pois que
tenho a foto para provar a quem quer que duvide de minhas antigas habilidades
pescatórias. Mas nada recordo do episódio por conta própria: nem da ocasião,
nem da emoção de sentir a linha sendo fisgada, tampouco da crueza da batalha
para extirpar do rio ou do açude a presa.
Pesquei, é verdade, mas o sabor
do evento não me transformou em pescador, o que me impede de celebrar com autoridade
este 29 de junho, Dia do Pescador. Fosse o Dia da Mentira, poderia eu aqui
inventar alguma e passava. Mas em se tratando de pescadores, só posso narrar
uma verdade singela, uma vez que me transformei em um mero pescador de
histórias.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 29 de junho de 2015)
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