“É preciso cuidar da dama”. Com essa
frase, repetida sempre que nos preparávamos para a nossa semanal partida de
xadrez, nas noites de terça-feira, lá em Ijuí, meu avô paterno ressaltava uma
das mais importantes dicas estratégicas do milenar jogo que encanta gerações. Muito
mais do que o rei, limitado em seus movimentos sobre os quadrados do tabuleiro,
tão grande e portentoso quanto frágil, restrito a atos de fuga e exigindo
proteção constante, a rainha é a peça mais poderosa entre todas e, portanto, a
prioritária a ser protegida. Assim, o lógico era “cuidar da dama”.
Jogávamos no gabinete que meu
avô tinha no segundo andar de sua ampla casa de arquitetura típica alemã,
adornada na parte externa com lambrequins, o enxaimel ainda presente em
determinadas estruturas, os telhados em formato de “V” proporcionando uma
viagem no tempo a antigas aldeias europeias. O ambiente ficava a meia-luz, um
enorme abajur posicionado a um dos lados do tabuleiro, focando a essência da
luz sobre as peças que iam sendo movidas de quando em vez, obedecendo ao ritmo
compassado do raciocínio de cada contendor. E tanto um quanto o outro, cuidando
suas respectivas damas.
Dependendo do seu humor na noite
– que invariavelmente variava entre o bem humorado e o muito bem humorado –,
meu avô exercitava variações sobre o próprio tema, invertendo o foco do mantra
e aconselhando a ficar atento e prestar atenção aos movimentos do adversário
(no caso, ele próprio). “É preciso ter cuidado com a dama”, advertia, ensinando
assim que, além de ser necessário jogar de forma a evitar que minha rainha
ficasse fragilizada, era também imperioso que eu me prevenisse contra os
ataques que a rainha inimiga poderia estar tramando com o movimentar de sua
saia pelo lado de lá das fileiras adversárias. Ahá!
Era, então, preciso cuidar da
dama (da minha) e tomar cuidado com a dama (a dele). Claro que a regra não
valia só em relação à rainha: também era preciso cuidar dos meus cavalos e
atentar aos cavalos dele; cuidar dos meus bispos e atentar aos dele; deitar um
olho nas minhas torres e o outro olho nas dele. Mas as damas, meu caro, ah, as
damas valiam ouro. E hoje dou de presente a metáfora, deixando-a livre para que
o leitor a interprete de acordo com suas próprias estratégias.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 20 de junho de 2015)
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