Assim como um telefone celular,
um notebook e uma câmera digital precisam ter suas baterias recarregadas com
frequência para que sigam operantes, também eu necessito, sazonalmente,
recarregar aquilo que chamo de minhas energias telúricas. Uma vez que
“telúrico” é o termo que se emprega para fazer referência a tudo o que se
relaciona à terra, ao solo, eu me aproprio da expressão para criar uma imagem
de recarga das energias vitais só possível de ser obtida revisitando o solo da
cidade em que nasci. No meu caso: Ijuí, 400 quilômetros distante de nossa
Caxias do Sul.
Fui-me então no Natal passar por
lá alguns dias e enfiar na tomada o cabo que liga aquele telurismo de lá com as
energias psíquicas, mentais, espirituais e emocionais que me movem cá. Essas
sessões de recarrego se dão por meio de atos simples, a começar pelo fato de
estar lá. Chegar, permanecer, revisitar ruas, logradouros, praças; percorrer
caminhos antigos repletos de significados e lembranças; revisitar pessoas;
tomar chimarrão com os familiares; reescutar cigarras e sabiás. Tudo recarrega.
Recarrega também, no meu caso
particular, dar uma passadinha sempre pela Rua dos Viajantes, situada nos
limites do centro com um bairro, onde reside ainda a casa em que vivi minha
infância e adolescência e que foi sede para o processo de meu despertar para o
mundo. Fui lá em uma típica quente tarde natalina, para recapturar odores, sons
e sabores e – surpresa! – asfaltaram a Rua dos Viajantes! Tascaram-lhe asfalto
por sobre a irregularidade ancestral dos paralelepípedos daquela rua,
aproximando-a de um progresso urbano da qual até então vinha se mantendo
inexplicável e ferrenhamente alheia.
Agora não se cruza mais a 20 por
hora pela Rua dos Viajantes. Agora, a rua de minha infância passa a ser também
abordada por flamejantes veículos desrespeitadores das regras de trânsito, que
lhe passam voando por cima do tapete de piche que cobre os paralelepípedos em cujos
buracos soterram-se as marcas de meu passado. O progresso é inexorável. Mas,
mesmo assim, permanece escondida ali num cantinho a tomada para a minha recarga
telúrica.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30 de dezembro de 2014)
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