Ele chegou cerca de quinze
minutos antes da hora marcada para o início da sessão de autógrafos do novo
romance escrito pela dona Romualda. Subiu as escadas que davam acesso ao
mezanino do Centro de Cultura portando o bloquinho de anotações e com três
canetas Bic cravadas no bolso da camisa, pois, apesar de novato, era esperto o
suficiente para não ser pego de calças curtas caso uma das canetas falhasse na
“hora h”. Ele sabia que é constrangedor falhar na “hora h”. Sempre.
Identificou dona Romualda junto
à mesa dos autógrafos arrumando o buquê de flores ao lado de uma pilha de
exemplares de “Videiras da Paixão” e tratou de se apresentar e informar suas
intenções. Disse chamar-se Dionatan, que era repórter do “Magazine Cultural” e que
fora enviado ali para cobrir a sessão de lançamento do seu novo livro. Mas que
o editor o orientara a permanecer o tempo todo calado ao lado dela, apenas observando
o ambiente, anotando os comentários que ela receberia dos leitores, sem
interferir em nada, para depois escrever sua matéria. Se ela não se importava.
Não, ela não se importava, querido,
ele poderia ficar ali, sim. Gostaria de uma cadeira para sentar? Ela
providenciaria. Não, ele não queria cadeira, senhora, obrigado, ficaria em pé
mesmo, quietinho, anotando, conforme o editor ordenara, ela que não se
preocupasse, que fizesse de conta que ele não estava ali.
Mas não havia como fazer de
conta que Dionatan não estava ali, porque Dionatan estava ali, e todos os que
chegavam para cumprimentar dona Romualda por seu promissor “Videiras da Paixão”
a questionavam a respeito daquele rapazinho estaqueado ali ao lado, duro,
calado. No início, dona Romualda se deu ao trabalho de explicar a cada um quem
era ele e o que estava fazendo ali. Mas logo se cansou daquilo e passou a
inventar diatribes só para se divertir, dizendo, por exemplo, que “era um filho
bastardo dela que viera aguardar a chegada do resultado do exame de DNA para constrangê-la
frente a todos”, ou que se tratava do “garoto-samambaia” que ela adquirira como
novidade na Floricultura Flor-de-Lis, vinda diretamente do Himalaia.
Inventava absurdos maiores à
medida em que crescia sua irritação com a presença daquela estátua a seu lado.
No meio da sessão de autógrafos, pegou a jarra de água de cima da mesa e regou
o garoto-samambaia do Himalaia, levantando abruptamente da mesa, abandonando a
fila de leitores que desejavam seu autógrafo e esperando só para ver o que é
que aquele pirralho ousaria escrever no “Magazine Cultural” no dia seguinte.
“Como essa imprensa nos tira do sério”, suspirava, ainda irritada, de noite, em
casa.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 21 de maio de 2014)
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