A
crise dos 40, que acomete preferencialmente as pessoas que atingem quatro
décadas de vida e se botam a pensar sobre o milagre da existência (de sua
própria existência, claro está), atingiu Osvaldino na consciência (em outros,
ela ataca áreas diversas como a pança proeminente, os pés-de-galinha ao redor
dos olhos, a nuca com a tatuagem da Avril Lavigne feita na adolescência...). Osvaldino
viu-se aportando na metade de sua trajetória existencial sem nunca ter
desenvolvido nenhuma aptidão artística, ele que se formara em Contabilidade e
passava os dias enfileirando números e dedilhando máquinas de calcular.
Estava
da hora de direcionar a vela de seu barco pessoal rumo a passeios por mares
mentais nunca antes explorados, e ia ser já. Osvaldino estudou as diversas
formas de expressão artística existentes e achou meio tarde para ir aprender a
tocar fagote ou a pintar aquarelas ou a encenar “Hamlet” na Casa da Cultura.
Osvaldino queria algo que lhe proporcionasse resultados mais imediatos e
veio-lhe a luz: “vou ser escritor”. Ora, pensou Osvaldino, escrever, todo mundo
que está alfabetizado sabe, basta pegar uma caneta e um papel ou sentar à frente
do computador e mandar bala, não tem mistério, todos escrevem, até seu vizinho
já lançara um livro.
Depois
de escutar uma palestra proferida por um cronista famoso na cidade,
recomendando às pessoas que desejassem escrever que participassem de concursos
literários, Osvaldino decidiu começar produzindo contos para submetê-los ao certame
citadino. Tendo ido dormir com esses pensamentos na cabeça, Osvaldino foi
acometido de madrugada por um surto criativo que o fez pular da cama para
anotar aquelas inspirações que as musas generosamente lhe sopravam, na forma de
uma série de aberturas para contos.
Um
deles começava assim: “Era frio. Muito frio”. O outro: “Era mau. Muito mau”.
Depois veio: “Era perverso. Muito perverso”. E Osvaldino foi anotando. Mais
tarde, a inspiração para aberturas de contos evoluiu para “Era noite.
Noitíssima!”; “Era tarde. Tardíssimo!”; “Era rico. Riquíssimo!”. Osvaldino,
inspirado (inspiradíssimo), continuou evoluindo: “Era feio. E como!”; “Era odiado.
Muito!”. Até chegar à sua obra-prima de abertura de futuro conto: “Chovia. E aos
cântaros!”.
Agora,
Osvaldino tem um problema. Não sabe como continuar nenhum de seus contos já
abertos. Osvaldino se transformou em uma obra inacabada de projeto de futuro
escritor. Estranho, uma vez que escrever é tão fácil...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 1 de maio de 2014)
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