quarta-feira, 28 de maio de 2014

Feriados serranos

Véspera de feriado, como foi no domingo, é a melhor coisa do mundo, especialmente quando a folga cai em uma segunda-feira e você pode antever um longo dia de paz e sossego, longe dos afazeres atribulados do cotidiano, a dedicar-se apenas a aquilo que lhe dará prazer. Na noite anterior você se dirige para a cama já com um meio-sorriso nos lábios, recostando a cabeça e a mente no travesseiro, que se põe a aparar os pensamentos leves que você vai cultivando enquanto antegoza tudo aquilo que vai (ou que não vai) fazer no dia seguinte. E então adormece, tranquilo e sereno, como que acalentado por anjos.
No estado híbrido entre vigília e sono, você já se vê saltando da cama no dia seguinte na hora em que bem entender, o despertador desligado e enfiado embaixo da cama, a ditadura das horas varrida para o limbo pelo menos nesse dia. Caso tenha cônjuge e filhos, vai aproveitar para desenvolver programas em família, como caminhar no parque, brincar na pracinha, andar de bicicleta, fazer um churrasco, lavar o automóvel, dar um passeio até o interior, comer porcaria no shopping, ir ao cinema, visitar algum parente, passear de mãos dadas, levar o cachorro a cheirar terra, coisas do gênero.
Se for solteiro, vai dormir até a hora em que a cama, exausta de sua presença, o expelir para fora do quarto. Vai abrir a geladeira e fazer um sanduíche Torre-de-Babel, empilhando tudo o que houver pela frente (e que for digerível), a título de desjejum-almoço-lanche (para parecer chique, dirá a todos que fez um “brunch”). Depois vai se aparafusar no sofá da sala e ligará a televisão, ficando uma hora zanzando pelos canais e reclamando que não tem nada decente para assistir - isso se for homem. Se for mulher, vai telefonar para uma amiga, com quem vai passar essa mesma hora colocando uma parte da conversa em dia e marcando um encontro em uma confeitaria para dali a algumas horas, a fim de colocar em dia todas as outras partes que não deu para abordar pelo telefone. Coisas do gênero.

Mas, contudo, porém, entretanto... em morando em Caxias do Sul, ou na Serra Gaúcha, como acontece com boa parte de quem me lê, corremos o risco é de acordarmos com nosso feriadinho mergulhado na mais espessa e contundente neblina, o que levará nossos planos por água abaixo. Eu, que não me dou por derrotado, aproveitei para entocar os pés em meias e pantufas, degustar xícaras de cappuccino e proceder àquela prazerosa e intimista organização dos livros nas estantes, há tanto tempo protelada. Estão para inventar uma cerração capaz de nos estragar um feriado, pois não?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 27 de maio de 2014)

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