Tem coisas que ficam muito
lindas quando escritas pelos escritores e lidas pelos leitores, mas que, quando
confrontadas com as dificuldades impostas pela vida real, correm o risco de se
transformarem em discurso vazio ou, o que é pior, aumentar ainda mais nosso
grau de irritabilidade. Essas bem-intencionadas dicas sobre como driblar a
monotonia estafante do cotidiano raramente conseguem assentar banco na agenda
do nosso dia-a-dia, apesar de, na teoria, concordarmos que sua prática seria
deliciosa.
Quem sabe muito bem disso é a amiga leitora
aí, que precisa levantar cedo pela manhã (antes ainda do que o próprio sol,
esse folgado), vestir a criançada, escovar-lhes os dentinhos, dar-lhes café e
preparar o lanche, levá-los para a escola, ir para o trabalho, solucionar a
pepinada que brota sobre a mesa, atender ao telefone, receber e-mails raivosos,
lembrar de comprar papel higiênico porque acabou em casa, buscar as crianças,
ouvir de noite as reclamações do marido contra o chefe dele, botar a turma para
dormir, desmaiar na cama e preparar-se para mais um round no dia seguinte. Tá,
e aquela pausa para o relax, com a esticadinha nas pernas e nos braços, os
quinze minutos para o cafezinho tranquilo a olhar para a beleza do céu, que
tanto nos sugerem esses textos, como é que fica?
Pois não fica, não é mesmo? Não
fica, não sobra tempo para essas poetices dos escritores. Sem falar que você se
esqueceu de ligar para o encanador e, raios, a torneira do banheiro segue
pingando a nooooite inteiraaaaa. Pois é, não é fácil, concordo e admito.
Concordo, admito, porém,
leitora, não se esqueça de que eu sou escritor também, e não posso me furtar
das responsabilidades inerentes à minha atividade. Assim sendo, permita-me
também fazer uma singela sugestão nesse sentido de enrosar (criei agora...
significa “tornar mais rosa”) a sua rotina. Que tal experimentar, por exemplo,
um dia desses, burlar a hora do almoço e usar esse tempo para ir sentar-se em
um banco da pracinha ou parque aí perto e olhar a vida passar, sem nada mais?
Não tem pracinha ou parque próximos? Bem, apenas dê umas voltas na quadra, você
vai ver o poder recuperador de células estressadas que algo assim tem.
Ou faça como umas vizinhas
minhas, que final de semana passado, em pleno frio, viajaram para a praia e
adoraram o céu encoberto e a tranquilidade na estrada e à beira-mar. Ou ainda,
à noite, deixe descansar a rede social e convide o marido para um jogo de
cartas, ou qualquer outra coisa que sua imaginação sugerir. Não é tão difícil
assim enrosar seu dia. Pronto, falei.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 29 de maio de 2014)
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