Chega a ser comovente essa
vocação que todas as coisas existentes no mundo possuem de preferirem
permanecer como estão. A opção preferencial de todos e de tudo é ficar como
está, ao menos, a princípio. Se é para testar o novo, que o façam aqueles que
estão na frente. Se for de queimar, queimem-se eles, eu é que não. Se for
seguro, avancem os outros primeiro, depois vou eu. Se for fundo, afundam os da
vanguarda, eu, aqui no raso, dou meia-volta e retorno seguro para a base.
Afinal, alguém tem de restar
para contar a história, não é o que dizem? Que seja eu, então, o contador. É
mais seguro. É menos cansativo. Tem risco zero. O único risco é o de se ficar atolado
para sempre na mesmice, mas não ligamos, adoramos manter intocada a nossa
zoninha de conforto. Mesmo que essa zona de aparente conforto seja, na verdade,
um pântano de areia movediça, onde justamente a nossa inércia é o que nos suga
para o fundo. Porém, preferimos tapar os olhos com a peneira e ocultar a
realidade de nós mesmos pelo mais longo tempo possível.
É assim, somos assim, tudo é
assim. Tudo mesmo: desde as pessoas, passando pelos animais, pelas plantas e
até pelos seres inanimados. Tenho provas disso todas as vezes em que me boto a
cozinhar, por exemplo. Nem o chuchu refogado, nem as rodelas de cenoura
cortadas em cubos gostam de serem mexidas de onde estão para migrarem à panela
ou ao prato. Faça a experiência você mesmo: corte um chuchu em cubos.
Coloque-os na panela com água para cozinhá-los. Depois de alguns minutos, leve
a panela semitampada à pia para retirar a água. Agora, vire a panela sobre a
travessa em que irá servi-los à mesa. Observe: há 32 cubinhos de chuchu na
panela. Uns 28 irão cair dentro da travessa, na boa. Mas sempre haverá aquela
meia dúzia que não cai por conta, como os outros. Precisarão ser retirados com
a colher. Por que sempre há os que não caem?
Abra uma lata de milho e verta
seu conteúdo sobre uma tigela. Haverá sempre aqueles seis ou sete grãos que se
recusam a cair igual aos outros. Precisam ser removidos. São os inertes. Sempre
existem. É sintomático. Reflito muito sobre a existência quando cozinho...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 18 de dezembro de 2014)
Nenhum comentário:
Postar um comentário