“O fato de eu ser paranoico não
significa que não possa haver alguém me perseguindo mesmo”, já dizia Argentino,
um amigo meu que é muito paranoico. Admito que há certa lógica em seu
raciocínio, apesar de distanciado da realidade. Ninguém nunca perseguiu
Argentino, exceto os policiais que o detiveram dia desses no Parque dos
Macaquinhos, a tempo de impedir que ele trouxesse para Caxias a onda dos
peladões que invadiu nossa Capital pouco tempo atrás.
Tudo já devidamente amansado, fico
aqui a refletir sobre os pontos de convergência que me permitem compreender
essa sensação de crer estar sendo objeto dos olhares reprovadores e estranhados
de todos ao redor, a ponto de sentir desconforto e surgir aquela percepção de
que somos peixe fora da água. Sempre sinto isso quando circulo em público com
um livro na mão. Viciado que sou nessa coisa estranha de ler livros, carrego-os
comigo sempre que saio de casa e rumo a algum compromisso. Com exceção das
aulas de natação, nas quais todos os meus membros ficam ocupados. Como,
senhora? Não sabia que eu fazia natação? Não, senhora, não faço, justamente por
esse impeditivo livresco. Sim, concordo, deveria, a senhora tem razão. Pensarei
a respeito. Por ora, sigamos a crônica.
Como eu estava raciocinando, não
preciso sair pelado pela aí para que fiquem me olhando de forma estranha,
desconfiando de minha pessoa, de meus atos, de minha índole, de minha sanidade
mental e de minhas intenções. Basta que eu circule com um livro e, pior, me
bote a lê-lo em locais públicos. Na sala de espera da dentista, os colegas de
espera me observam imaginando que errei de porta: “o psiquiatra fica ali ao
lado, amigo”, é o que ouço de seus pensamentos. No shopping, enquanto a esposa
perambula dilapidando minha fortuna, sento-me nos bancos e tenho a atenção
desviada das páginas do livro para a presença dos vigilantes que se põem a me
rondar, vigiando as ações desse estranhíssimo eu ali, com um livro, atitude das
mais suspeitas.
O que argumentar no dia em que
me abordarem? Que estou lendo? Melhor preparar desde já uma desculpa mais
plausível, para evitar consequências constrangedoras...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 22 de dezembro de 2014)
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