Você, eu não sei, mas eu já vi.
Juro que já vi. E não apenas uma, mas várias vezes. Passei a ver com mais
frequência depois de perceber que, para essas coisas, basta ter olhos para ver.
Aí sim é que a gente passa a ver mesmo. E eu via muito, especialmente na infância.
Eu via, via, via.
Via embaixo da cama de meu
quarto no meio da tarde, enquanto fazia os temas da aula; via na casa de minha
avó materna, no meio dos moranguinhos da horta; via no pátio de minha avó
paterna, no canteiro de flores; via empoleirado nos galhos mais altos da timbaúva
no quintal de casa na Rua dos Viajantes. Via por tudo. E quando não via, ouvia.
Ouvia a risadinha sapeca denunciadora de sua presença depois que alguma arte
era flagrada pelos adultos (e a culpa acabava recaindo sobre algum de nós, as
crianças); ouvia o barulho de uma xícara sendo quebrada por arte dele; ouvia o
alvoroço das galinhas no galinheiro, já que pregar sustos nas penosas era uma
de suas traquinagens favoritas; ouvia o relincho dos cavalos na fazenda de meu
avô, quando tinham seus rabos e crinas trançados em nós produzidos por suas
mãos habilidosas.
E quando não via nem ouvia,
cheirava. Sim, porque o aroma do fumo proveniente de seu cachimbo, sempre
aceso, denunciava de longe sua presença, especialmente para quem estava sempre
atento às suas peraltices, como eu, depois que descobri que ele existia lendo
os livros de Monteiro Lobato e os gibis do Ziraldo. Desde que me lembro por
gente, a figura do Saci-Pererê, com o gorro vermelho, fumando cachimbo e
pulando em sua única perna, às vezes transportado por um redemoinho, integra o
extenso time de personagens criados pela imaginação humana que fazem companhia
à minha existência no mundo real. Meio esquecidinho pelas crianças de ontem e
desconhecido das de hoje, o Saci conta com um grupo de defensores de sua
memória reunidos em uma entidade chamada Sosaci (Sociedade dos Amigos do Saci),
que conta com cerca de 1,1 mil associados em todo o país. O que eles querem é
preservar a imagem dessa figura do imaginário brasileiro instituindo a data de
31 de outubro como o Dia do Saci (já existe projeto de lei federal tramitando
no Congresso nesse sentido).
Sim, porque, quem é que precisa
importar bruxa e Halloween dos estrangeiros, se temos seres de sobra no
folclore nacional para povoar com criatividade a nossa imaginação? Tô nessa!
Voto pelo Saci!
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 31 de outubro de 2015)
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