Existem profissões e atividades
que não permitem um segundo sequer de desatenção e de descanso por parte de
quem está exercendo a tarefa (sim, senhora, eu sei que às vezes, aqui, eu teço
sentenças como se fosse o grande descobridor do caminho para as Índias, sendo
que as Índias sempre estiveram lá, apesar da ignorância de quem supôs tê-las
descoberto, eu sei, eu sei, eu sei, mas seja tolerante comigo, afinal, preciso
parecer esperto e me iludir de que estou sendo útil em alguma coisa).
Mas puxo o tema porque a
amplitude da situação que acomete certos profissionais no cumprimento de suas
atividades tornou-se clara e cristalina em mim noite dessas, quando
desempenhava o papel de mediador de debates entre escritores regionais na
programação da Feira do Livro, ali na Praça Dante. Um mediador, percebi ali,
não pode vacilar um segundo sequer ao longo do debate que a ele cabe conduzir,
junto ao palestrante. Tanto ele quanto o convidado não têm o direito de comer
moscas durante o espaço de tempo em que estiverem neles depositadas as atenções
da plateia. O espectador pode, eventualmente, desligar por alguns instantes o
cérebro e pensar na conta que precisa pagar amanhã, nas orientações que deve
passar ao subordinado ou aos filhos, nas compras que estão faltando na casa,
essas coisas. O mediador, não. O mediador não pode se permitir viajar na
maionese enquanto o palestrante fala, sob o risco de receber subitamente de
volta dele a palavra e exclamar algo como “sopa instantânea e uma lata de leite
condensado!”, porque pensava na lista de supermercado. Não, de jeito nenhum.
Isso seria levar gol contra.
Da mesma forma, o treinador do
time de futebol que está em campo. Ele não pode perder um lance sequer da
partida, sob risco de sofrer gol e não marcar tento algum. O mesmo se dá com o
piloto de Fórmula-1 durante a corrida. Não pode ficar pensando na louça suja
que deixou sobre a pia antes de se dirigir ao autódromo. Senna não fazia isso.
Por isso, foi campeão tantas vezes. E o médico durante a cirurgia, então? Não
pode sacar o bisturi e ficar pensando que não comprou flores para a esposa no
aniversário de casamento. E o dentista com a broca em punho frente à boca
aberta do paciente? Não, minha senhora, é preciso foco. Tudo é uma questão de
foco, para que possamos marcar os devidos gols em nossas vidas. Viu como eu
acabaria chegando às Índias, apesar das voltas?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 13 de outubro de 2015)
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