Noite dessas, sonhei que era
rico. Riquíssimo, segundo o que dava a entender o sonho. Não que estivesse
pilotando iate e voando de jatinho particular, nada disso, porque em sonho,
como sabem todos aqueles que sonham, as coisas não precisam ser explícitas para
que você saiba o que está acontecendo. Sonho tem muito de sensação, e, pela
sensação e pelo contexto do sonho de noite dessas, eu era, sim, rico.
Riquíssimo. E daí? Ora, madame, siga lendo, que há, sim, um “e daí” aí.
Eu não gosto muito de narrar
sonhos e também não gosto que me narrem os sonhos alheios, porque, sei lá, para
mim, sonho é sonho, cada um com os seus, tanto os sonhados dormindo quanto os
cultivados desperto, mas o sonho em questão, esse em que sonhei que era rico
(riquíssimo), dá pano para crônica, então, a ele, e perdoem-me os leitores e
também a madame, que eu sei que sempre me perdoa, valeu! Até porque, eu nunca
sonho que sou rico, ao menos, não dormindo. Deve ter sido devido àquelas
costeletas de porco assadas que comi no jantar. Também, nunca como costeletas
de porco assadas no jantar. Assim, aplicando a lei da causalidade, chego à
conclusão lógica de que a ingestão noturna de costeletas de porco assadas
produz sonhos nababescos.
Bom, mas o sonho. Sonhei que eu,
rico, participava ali no Vale dos Vinhedos de um seleto grupo de bilionários
que estavam fazendo uma degustação de espumantes importados caríssimos, que só
nós mesmos poderíamos pagar, orientada por um sommelier de gravata borboleta. Lá
pelas tantas, no entanto, o sommelier arrancou de minhas mãos uma garrafa de um
espumante raro, ainda mais caro que os demais, e foi levando lá para dentro,
dizendo que aquela garrafa não, aquele espumante estava reservado para ser
degustado amanhã, por um grupo composto por “ainda-mais-ricos”. Mas, como
assim, “ainda-mais-ricos”? Eu não estava sonhando que era rico? Por que diabos
haveria de haver em meu raro sonho de rico outros mais ricos do que eu? Por que
não podia eu mesmo fazer parte do grupo dos “ainda-mais-ricos”, se o sonho era
meu? Que droga de sonho tabajara era aquele? A crise anda tão terrível que até
sonho de rico chega desvalorizado?
Indignado, acordei e pulei fora
daquele grupo de ricos de segunda classe. Amanhã dobrarei o número de costeletas
de porco assadas no jantar. Quero só ver. Aquele sommelier vai se ver comigo.
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