Nesses líricos e românticos dias
primaveris, sempre que não chove fica convidativo flanar ao ar livre pelas
ruas, parques, praças e esquinas de nossas cidades toda a vez que surge um
tempinho, a fim de exercitar o culto a uma das estações mais queridas do ano. O
frio já não corta mais nossas espinhas, apesar de às vezes ainda dar o arzinho
da graça mesmo que de forma tímida, e o calor não torra perigosamente nossas
cabeças, apesar de o morninho do sol ser disputado até por gatos e lagartos e
flores.
É primavera, o inverno é coisa
do passado e a perspectiva pela frente é a melhor possível, com o verão já de
passagem comprada e pronto para aparecer em poucos meses, o final de ano a duas
folhinhas do calendário e o litoral, pelo que a gente lembre, tem praia, areia
e caipirinha. Tudo parece lindo e resolvível em um amanhecer de segunda-feira
ensolarado e primaveril como foi o de ontem aqui em Caxias do Sul e até os
cronistas diários mundanos se vergam à influência do clima e aliviam o peso das
batidas no computador, cujas letrinhas se embaralham com o reflexo intenso dos
raios do sol e – raios! – é preciso baixar um pouco a persiana da janela a fim
de puxar um pouco de sombra que possibilite visualizar melhor o teclado e
seguir escrevendo. Mas, afinal, o que queremos: sol ou sombra?
Caminhar na rua acompanhado, nesta
época do ano, atitude tão mansa, pode engendrar um pequeno dilema: ir pelo sol
ou pela sombra? O sol não está tão quente, mas o sol é sempre o sol; a sombra
não está tão fria, mas sombra sempre fica na sombra. Por onde deve trilhar
aquela dupla ali, ele temeroso dos efeitos dos raios ultraviolentos que não dão
trégua nem em dias nublados; ela, fissurada pelo processo de ativação da
melanina que lhe dourará a pele de forma fácil e rápida? Ele, um vampiro das
sombras; ela, uma gata desejosa de refestelar-se em zinco quente. O que fazer?
Um grande drama acinzentará o horizonte primaveril do casal? É a ponta de um
novelo de discordâncias?
Ora, nada disso, amigo leitor,
estimadíssima leitora. Nesta época do ano, as soluções saltam das sombras e
reluzem ao sol. Foi para isso que a natureza esticou o comprimento dos braços.
Dão-se as mãos os dois então, espicham os braços e cada um caminha em seu lugar
preferido da calçada: ele à sombra das marquises, ela ao sol da beira da
calçada. Afinal, é primavera.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 6 de outubro de 2015)
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