Que relação pode haver entre uma
cadeira e o amor? Ou entre uma batedeira, o amor e o ódio? Ou, ainda, entre uma
caneta, o calor e o amor? A princípio, nenhuma, apressar-se-á em sentenciar o
leitor mais afoito, a leitora mais desavisada. Mas como, felizmente, sou um
cronista mundano brindado com a atenção generosa de leitores nada afoitos e de leitoras
avisadíssimas, não corre esta singela crônica o risco de ser mal interpretada e
de ecoar suas mensagens no vazio. Nada disso. Extrairemos, sim, muito sumo desta
pera, basta seguirmos adiante.
Qual, então, a relação entre os
sentimentos acima elencados e objetos tão díspares como uma batedeira e uma
cadeira e a sensação de calor? Ora, toda, todíssima, se abandonarmos por alguns
instantes a tendência de avaliarmos o mundo a partir da lógica cerebral e cartesiana
e abrirmos espaço para o domínio da imaginação e da poesia. Uma batedeira pode,
sim, encontrar sentido e revelar simbologias mil ao se deparar com a sensação
de amor ou de ódio, dentro dos versos de um poema que vai sendo moldado à luz
de uma súbita inspiração ou de um desafio proposto por um escritor no auditório
de uma escola aos estudantes que se debruçaram a esquadrinhar uma das obras de
sua autoria.
Foi o que aconteceu este mês
durante dois encontros que tive com os criativos, artísticos, dedicados e
reflexivos alunos das turmas das sétimas e oitavas séries do Ensino Fundamental
e dos primeiros, segundos e terceiros anos do Ensino Médio do Colégio Mutirão
Objetivo, em Caxias do Sul, dentro do programa “Encontro com o Escritor”,
desenvolvido ali pela responsável pela Biblioteca, Domingas Giacomin, e pelas
professoras de diversas disciplinas. Depois de apreciar os trabalhos artísticos
criados pelos alunos que leram e refletiram sobre um de meus livros, lancei às
turmas o desafio de produzirem ali, ao vivo, algum poema a partir de palavras
escolhidas em conjunto e ao acaso. Foi quando batedeira rimou com amor e
cadeira desbancou o ódio, entre outras sacadas poéticas de qualidade e surpreendentes.
Porque a Poesia sempre pode
existir desde que tenhamos olhos para vê-la, coração para senti-la, vontade
para acolhê-la. E ela, em podendo agir, faz uma diferença enorme nas nossas
vidas e no mundo que nos cerca. Isso aprendi com os alunos do Mutirão. E
consegui até fazer crônica unindo cadeira e amor, conforme fui desafiado pelos
alunos. Afinal, “tudo vale a pena, se...”, não é mesmo, Poeta?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 29 de outubro de 2015)
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