Alguma coisa acontece quando a
gente vai ficando velho, e eu não sei explicar exatamente o que é. Sim, eu sei
que o senhor e a senhora vão dizer que eu não descobri a América com essa
afirmativa inicial da crônica, que realmente muitíssima coisa acontece com
qualquer um que vai vendo os galhos de sua existência vergarem sob o peso dos
anos acumulados e que isso não é privilégio meu coisíssima nenhuma. Esse
“coisíssima nenhuma” ali nem o senhor, tampouco a senhora, irão empregar na
admoestação dirigida a mim, eu sei, porque nenhum de vocês é deselegante a esse
ponto, isso foi coisa do estilo claudicante desse que vos escreve mesmo, pelo
que peço desculpas. Coisas de velho, mesmo.
Mas acontece que essa coisa que
me acontece, sobre a qual quero comentar aqui, eu não sei se acontece da mesma
maneira com todos aqueles que vão envelhecendo, daí meu espanto e a decisão
unilateral (como sempre, por sinal) de transformar a questão em tema da crônica
de hoje. Aí é que o senhor e a senhora entram na jogada, nesse momento em que
se abre a possibilidade de saírem da condição de leitores passivos e transformarem-se
em agentes ativos na construção conjunta (hoje estou generoso e democrático,
reconheçam) desta crônica, quando são instados (“instados”, viram?) a elucidar
ao mundano (e agora provecto) cronista a dúvida que tanto o atormenta.
Cabe aos senhores, portanto, me
responderem: por que razão, em ficando eu cada vez mais velho, percebo que
preciso passar longe da sessão das barraquinhas de livros infantis na Feira do
Livro que rola na Praça desde a última sexta-feira? O que faz com que eu tenha
despertado em mim o desejo de comprar quase todos os livros que ali se exibem
aos olhos dos passantes, especialmente os chamados livros-brinquedos, esses que
você abre e pula de dentro um castelo encantado armado em papel como se fosse
um origami gigante e colorido? Ou aquele outro que traz junto bonequinhos de
super-heróis, ou da aldeia dos Smurfs, ou das Tartarugas Ninja? Ou ainda aquele
que explica tudo sobre dinossauros, permitindo que você simule uma escavação
encontrando dentes e tíbias ao pé de vulcões fumegantes? Quero-os todos! E
quero-os já, agora!
Ainda bem que minha esposa tem
força na mão e me puxa... Para longe dali, rumo aos saldos das barracas
adultas! E o mais desconcertante é que, sim, eu tive infância... Vai
entender...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 5 de outubro de 2015)
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