A vítima, dessa vez, foi
Loreley. Loreley (a pronúncia correta é “Lorelái”) é uma sereia muito famosa na
Alemanha - personagem importante da mitologia nórdica -, que costuma viver nas
águas do rio Reno. Entre as cidades de Sankt Goarshausen e Kaub, o Reno faz uma
curva fechada ao redor de um penhasco e sempre foi muito comum as embarcações,
ao longo dos séculos, baterem ali nas rochas e afundarem. Tudo por culpa de
Loreley.
Essa sereia em específico, dizem
os que já a avistaram (e são muitos os moradores da região que costumam vê-la,
conforme relatam aos turistas que acorrem à região para passear de barco ao
redor do penhasco batizado com o nome da ninfa), é muito bela. Suas doces
formas femininas se confundem com a cauda de peixe, normalmente escondida sob a
longuíssima cabeleira dourada que lhe envolve o corpo todo, e seu canto é
arrebatador. É com ele que Loreley enfeitiça os timoneiros e capitães das
embarcações, levando-os a perderem o controle de suas naus e naufragarem
naquele perigoso trecho de um dos rios mais famosos da Europa. Diabruras
típicas de sereias, como bem o sabem heróis como Ulisses e outros que
conheceram seus encantos.
Meus avós, em viagem à Europa na década de
1960, passearam pela região e se encantaram com a lenda. Entre os souvenires
que trouxeram da longa turnê, constava uma miniatura da sereia esculpida em
pedra, reprodução da estátua que de fato existe naquele ponto do Reno. O mimo
sobreviveu décadas guardado na cristaleira de minha avó em Ijuí, ao lado de
outras delicadas lembranças daquela viagem tão marcante. Anos atrás, após a
partida de meus avós, que devem ter escutado cantos definitivos de outras
sereias, coube a mim herdar a bela relíquia familiar. Desde então, a pequena
Loreley guarda a seção de autores alemães na minha estante de livros.
Guardava, até ontem, quando eu,
Godzilla que sou, dei-lhe um cotovelaço enquanto organizava a estante de
livros, arremessando-a ao chão e decapitando sua singela cabeça de sereia. Loreley,
que resistiu à viagem transatlântica na bagagem de meus avós, da Europa ao
Brasil, e sobreviveu incólume sobre sua rocha ao passar das décadas, sucumbiu aos
meus modos reptilianos em questão de segundos.
Claro, restituí a cabeça ao
corpo com super bonder (não sem antes fixar a cabecinha loira em meu dedo
indicador, por descuido, logo solucionado) e não contarei o ocorrido a ninguém
(conto com a discrição de meus quatro leitores, todos conhecidos e que me devem
favores). E, juntos, damos todos graças por eu não ter escolhido a profissão de
arquiteto...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 28 de maio de 2014)
Um comentário:
Loreley e o Rio Reno! Sua lenda muito viva deu-me nome. Tenho a mesma sereia em pedra que relatas, veio na bagagem da viagem que ainda em 2012 fiz para conhecer aquela pela qual sempre tive curiosidade em ver de perto. Não sei se por crenças, mas Loreley do Reno não possui cauda. Sua estatua imortalizada traz seus pés sobre o rochedo.
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