Minha
avó paterna era uma pessoa doce, culta, inteligente, bem humorada, religiosa,
delicada. Era vista com muito carinho e respeito por toda a família e nos
círculos sociais pelos quais transitava em Ijuí, minha cidade natal, e também
dela. Na vida anterior deveria ter sido princesa, brincávamos, dado seu
comportamento elegante e o fascínio que cultivava pelo universo das monarquias
atuais e passadas, que alimentava com a leitura de revistas, livros, jornais e
notícias na televisão.
Porém,
como todo o ser humano, possuía um lado, digamos, incomum. Minha avó (a “Oma”)
tinha o estranho hábito de engolir as coisas mais bizarras nos momentos mais
esdrúxulos, protagonizando episódios que se consolidavam no anedotário
familiar. O primeiro deles foi por ocasião do pedido de casamento que recebeu
de meu avô. Como era de praxe, meu avô adquirira, a custo de duras economias
decorrentes de horas de trabalho extra, as alianças de ouro para fazer o pedido
à noiva em um jantar previamente organizado com o mâitre do restaurante do
clube para o qual a levaria naquela noite. A desculpa do jantar era uma
apresentação de dança encenada por companhia famosa vinda da Capital do Estado,
programa ao qual minha avó não resistiria.
Ao
chegarem à mesa reservada, tudo já estava previamente preparado e o mâitre, lá
na cozinha, colocara a aliança destinada a ela dentro do cálice de espumante e
já trouxera as duas taças servidas. No momento oportuno, meu avô esperava que
ela pegasse a taça para o brinde que ele proporia e se deparasse com a surpresa
dourada reluzindo no fundo, em meio às borbulhas. Só que as luzes do salão se
apagaram para a entrada triunfal dos dançarinos. Nesse breve ínterim, minha
avó, sedenta, entornou o conteúdo do cálice.
Reacesas
as luzes, espetáculo tendo início, meu avô curvou-se sobre a mesa e perguntou a
ela; “E então? Viste a aliança? Aceitas o pedido?” E minha avó, com uma
sensação estranha a lhe descer pela garganta, devolveu a pergunta: “Que
aliança? Que pedido?” Tratava-se, sabemos hoje, daquela aliança que lhe descia
peristalticamente até o estômago junto com o conteúdo da taça de espumante. O
pedido, de qualquer forma, foi aceito, tanto é que existo e estou aqui para
contar a história. A aliança, essa reapareceu poucos dias depois de uma forma
natural que não cabe aqui esmiuçar, já que todos serão capazes de imaginar o
que se passou, sem a minha ajuda narrativa. Mas o amor e a determinação são,
sim, instrumentos poderosos para a construção da biografia de qualquer um, pois
não?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 16 de abril de 2014)
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