terça-feira, 1 de abril de 2014

É preciso saber dizer

Conquistar uma liberdade específica é o primeiro passo no caminho da ampliação das potencialidades de manifestação da essência humana na sociedade em que se está inserido. Saber como usar essa liberdade atingida e o que fazer com ela é o segundo e mais importante passo, pois é somente dessa forma que esse direito se consolida como essencial, intocável, irrevogável, inquestionável. O mau uso de uma liberdade abre flancos para que ela seja questionada por aqueles que estão sempre à espreita, esperando pelas brechas que tornem possível o retrocesso.
Precisamos estar atentos, e a responsabilidade por manter incólume a justeza de uma liberdade conquistada cabe a todos nós enquanto conjunto social e a cada um de nós na expressão de sua individualidade diária. A reflexão vem a calhar nesses dias em que o calendário registra a transição de março para abril, efeméride que, há exato meio século, carimbava na história brasileira o golpe militar que faria descer sobre o país uma longa sombra de arbitrariedades ditatoriais cujos reflexos deletérios se fazem sentir até hoje. Ao lado da tortura, das prisões despóticas, do assassinato institucional, do aprofundamento da corrupção, da perseguição política, do estupro ao Judiciário e ao Poder Legislativo, do atropelo aos direitos constitucionais e do fomento à crise econômica, duas das crias mais perniciosas da ditadura foram a censura e a restrição à liberdade de pensamento e de manifestação de ideias e opiniões.
Foram necessários 21 anos de combate à essência da ditadura para que os direitos humanos, democráticos e fundamentais, universalmente reconhecidos como cruciais para o desenvolvimento de uma sociedade, fossem reconquistados, ao custo de vidas, cassações, deportações, perseguições etc. É preciso, agora, saber cultivar e honrar esses direitos, a fim de que jamais voltem a ser alvos fáceis para a ação dos que lucram com sua supressão.
Para que não sejamos censurados, por exemplo, precisamos saber usar o direito de expressão com maturidade, sapiência, discernimento, inteligência. Caso contrário, daremos munição ao inimigo que prefere nos ver para sempre calados. Nossa fala deve, portanto, sempre que possível, gerar diamantes. Do contrário, decidir optar pelo silêncio às vezes pode se configurar na expressão mais inteligente dessa mesma liberdade.

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 1 de abril de 2014)

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