Uma
típica cena de filme policial sacudiu a pequena e pacata cidade de Giruá (17
mil habitantes), no Noroeste do Estado, sexta-feira passada. Os ouvintes que no
final da tarde estavam sintonizados na Rádio 104.1 FM, acompanhando o programa
conduzido pelo comunicador Jair Wathir, surpreenderam-se ao escutarem, de
repente, algumas pancadas secas desferidas contra a mesa de som, vozes alteradas
e ruídos similares a uma briga. Sem entenderem o que estava acontecendo,
chamaram a Brigada Militar, que chegou a tempo de invadir o estúdio e evitar
uma tragédia.
O
locutor estava sendo ameaçado a faca por um ouvinte que, bêbado, exigia que
fosse irradiada a música que ele havia solicitado minutos antes por telefone e
que lhe fora negada. O agressor foi detido e o locutor explicou que negara o
pedido do ouvinte porque a música não se encaixava no estilo da programação, um
tradicional e popular programa de melodias de bandinhas alemãs. E o que o
ouvinte inflexível queria escutar era a gauchesca “Corpo esgualepado”, do Xirú
Missioneiro. Definitivamente, não dava, e o que quase aconteceu foi o
esgualepamento ao vivo do corpo do comunicador.
Felizmente,
tudo acabou bem: o locutor não se feriu, o agressor foi curar o porre no
xilindró e o programa de bandinhas alemãs não foi desvirtuado bruscamente pela
invasão de versos como “Cada dia que passa parceiro/ Meu corpo véio me dá uma
sintoma/ Resquícios de uma vida bruta/ De tropiada, de esquila e de doma”. Teria
sido um verdadeiro trauma.
O
episódio todo tem origem no desatino causado pelo excesso de consumo de álcool
por parte do protagonista, o que embaça qualquer tentativa de justificá-lo.
Mesmo assim, sempre é possível refletir um pouco, e me flagro a pensar nessa
tendência que temos às vezes de querermos ver nossas demandas atendidas sem
atentarmos a quem endereçamos a exigência. Não podemos querer boa música
campeira de uma banda de rock, ou que o restaurante de comida típica italiana
sirva coraçãozinho de galinha, ou que o cronista Fulano escreva no estilo do
cronista Sicrano, ou que Beltrana aprecie os mesmos filmes que eu, ou que todos
pensem igual a mim, ou ainda que se comportem da forma como espero que o façam.
Conhecer
os limites impostos pelas diferenças, aceitá-los, respeitá-los e mesmo
valorizá-los é o primeiro passo para desobstruir o caminho da tolerância, a
única via possível para uma convivência pacífica entre os semelhantes, tão
dessemelhante que somos entre nós mesmos.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 7 de abril de 2014)
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