Não
sou um aficionado pelas superproduções cinematográficas hollywoodianas e nem
fico ansioso esperando a estreia dos novos arrasa-quarteirões. Minha ânsia por
esse tipo de entretenimento naufragou quase duas décadas atrás junto com o
“Titanic” do Leonardo DiCaprio, filme cujo final, por sinal, eu já sabia desde
o primeiro minuto de projeção (a coisa afunda e não há o que a salve).
Mas
como toda a regra tem uma exceção (creio que até mesmo esta a tenha), eis que
me flagro ansioso para assistir à mais nova superprodução hollywoodiana: o
filme “Noé”, com Russell Crowe no papel principal (o barbudo construtor da
famosa arca), acompanhado por um elenco composto por Emma Watson e Anthony
Hopkins (será que ele interpreta Deus no filme?), sob direção de Darren
Aronofsky. Este, de fato, eu quero ver.
Pouco
me atraem os megalômanos efeitos especiais que certamente conduzirão as cenas
da construção da arca, da entrada nela dos casais de animais e da enxurrada
diluviana em si (dilúvios em nada impressionam a nós, caxienses, acostumados
que somos às chuvaranças insistentes que nos visitam ao longo do ano). O que me
interessa é acompanhar a forma como o diretor, o roteirista e os (bons) atores
irão desenvolver a trama que se sustenta no poderoso e cruel dilema interno de
um homem que se vê de repente confrontado com a incumbência de carregar nas
costas o fardo do mundo.
Ao
receber de Deus a hercúlea incumbência de construir uma gigantesca arca na qual
deveria salvar, do iminente dilúvio, casais das várias espécies de seres vivos
do planeta, Noé há de ter sido invadido por uma sensação que os filósofos
alemães chamam de “weltschmerz”, ou seja, o “cansaço do mundo”. Trata-se de uma
sensação que, desde então, acomete a todos os seres humanos (descendentes que
somos dos sobreviventes do bíblico cataclisma) de vez em quando. É a sensação
que temos naqueles dias em que o mundo inteiro parece pesar sobre as nossas
costas, em que as atribulações de nosso cotidiano parecem muito superiores às
forças que temos para enfrentá-las.
No
entanto, tal como Noé, acabamos sempre arrebanhando exércitos de ânimo e forças
insuspeitas, arrombamos as portas da prostração e seguimos em frente, vencendo
as marés contrárias, salvando a nós próprios de nos afogarmos nos dilúvios
forjados pelas atribulações da vida diária. Nenhum de nós deseja afundar com DiCaprio
a bordo do Titanic. Se tivermos escolha, optaremos sempre por tíquetes para a
Arca de Noé.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 5 de abril de 2014)
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