(Foto tirada por Ivonei de Carvalho em fevereiro de 2014 no bairro Glória, Rio de Janeiro)
Sempre
que nos sentirmos desesperançados, sempre que estivermos a um passo de jogar a
toalha na lona e abandonar o ringue, sempre que imaginarmos que a coisa não tem
jeito mesmo então deixemos tudo para lá e vamos é cuidar de nossas próprias
vidas, sempre que estivermos enxergando somente as nuvens em detrimento da
réstia de luz solar que teima em se esgueirar por entre elas, sempre que
esmorecermos... acabará surgindo de algum lugar aquela fonte de energia que
renovará nossas esperanças e reabastecerá nosso tanque para prosseguirmos na
batalha por aquilo que acreditamos, nem que saibamos que estamos a dar murros
em ponta de faca.
Eu,
por exemplo, sou um desses seres esquisitos que teimam em acreditar no poder
transformador que o ato da leitura exerce sobre os espíritos humanos. Eu
acredito fervorosamente que a aquisição do hábito de ler, do gosto pela
leitura, do prazer do contato com o mundo dos livros, desperta na pessoa
habilidades tais que o mundo, a vida, a existência passam a ser para ela um
universo sem limites. Essa é a minha fé. A leitura forma. A leitura informa. A
leitura liberta. A leitura diverte. A leitura entretém. A leitura consola. A
leitura nos ensina a compreender o mundo e os seres humanos. A leitura nos
ajuda a compreendermos a nós próprios.
A
leitura é, pois, uma das mais elevadas ferramentas civilizatórias criadas pelo
engenho humano. Privar-se deliberadamente de ler, no meu entender, é provocar
contra si mesmo um dos mais tristes boicotes. Pois em um país em que uma
funkeira recebe de professores de filosofia a alcunha de “grande pensadora
moderna”, em que um ex-presidente da República afirma que “ler é uma chatice” e
em que atores (?) revelam detestar ler, não faltam desestímulos para quem
insiste em permanecer ativo na batalha em favor dos livros. Esta semana, porém,
a redenção me veio a partir da cena que meu cunhado registrou um mês atrás na
região central do Rio de Janeiro. Próximo a um bar, no bairro Glória, um
morador de rua (foto) faz uma pausa para mergulhar silenciosa e atentamente na
leitura. Ele redime a todos nós. De minha parte, preferiria conversar com ele
do que com a funkeira pensadora, ou com o atorzinho ou com o ex-presidente.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 11 de abril de 2014)
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